UHE São Manoel



Suspenso leilão da usina hidrelétrica São Manoel, no MT

FÁTIMA LARANJEIRA - Agencia Estado
11 de dezembro de 2013

A Justiça Federal determinou a suspensão do leilão para a construção da Usina Hidrelétrica São Manoel, no Mato Grosso, acatando pedido de liminar feito pelo Ministério Público Federal. O leilão estava previsto para esta sexta-feira, 13. A ação apontou os riscos de se leiloar a construção da hidrelétrica sem que antes haja uma resposta definitiva da Justiça nas ações civis públicas que questionam o licenciamento ambiental do empreendimento.
O Ministério Público Federal no Mato Grosso ingressou com três ações distintas que apontaram supostas irregularidades da usina São Manoel: estudo do componente indígena (ECI) incompleto, falta da consulta prévia, livre e informada aos povos afetados pela obra e o impacto que será causado em comunidade de índios isolados.
"A expedição da licença prévia e a habilitação técnica seguida do agendamento do leilão constituem fatos novos a indicar que o licenciamento da usina São Manoel está prosseguindo com extrema celeridade, a despeito das irregularidades evidentes", afirmam os procuradores da República Manoel Gonçalves da Silva, Felipe Bogado e Felício Pontes Jr, na ação cautelar.
Segundo o MPT, "sem levar em consideração as irregularidades indicadas pelo Ibama, Funai e pelo Ministério Público Federal, o licenciamento da usina São Manoel prosseguiu com extrema celeridade". "No dia 4 de dezembro, cinco dias após a expedição da licença prévia, a EPE divulgou que habilitou tecnicamente o projeto para o 2º Leilão de Energia A-5/2013, agendado para o dia 13 de dezembro de 2013. Ou seja, os eventuais investidores terão apenas oito dias para examinar o extenso e complexo projeto de construção da aludida usina hidrelétrica e avaliar a viabilidade de apresentar lances no leilão", informa o MPT, em nota.
De acordo com o Ministério Público, na decisão liminar, de 8 de dezembro, o juiz federal Ilan Presser, afirma que "seria temerário, no estado que o ECI estudo do componente indígena se encontra prosseguir na realização do leilão, já que se corre o risco de posteriormente serem declarados nulos os atos de Licença Prévia e leilão realizado, com vilipêndio ao princípio da segurança jurídica de todas as partes envolvidas". Caso a decisão seja descumprida, a multa prevista é de R$ 500 mil. São Manoel será construída no Rio Teles Pires (MT/PA) e terá 700 MW de capacidade instalada.
A diretoria da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aprovou em novembro o edital do leilão de geração A-5, previsto para a próxima sexta-feira. O edital trouxe como principal novidade a inclusão das usinas hidrelétricas (UHE) São Manoel (MT/PA), Ribeiro Gonçalves (PI), Cachoeira (PI) e Itaocara I (RJ).

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Governo consegue licença ambiental para São Manoel e usina pode ir a leilão

Por André Borges | De São Paulo
Valor Econômico

Depois de muita pressão, o governo conseguiu obter a licença prévia ambiental da usina hidrelétrica de São Manoel, conforme divulgou ontem o Valor PRO, serviço de informações em tempo real do Valor. A licença permitirá que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) inclua o empreendimento no próximo leilão de energia, marcado para dia 13. Trata-se do maior projeto hidrelétrico que será oferecido pelo governo desde 2010, quando foram leiloadas outras duas usinas de grande porte na Amazônia: Belo Monte, no Pará, e Teles Pires, na divisa do Mato Grosso com o Pará.
A emissão da licença prévia ambiental que acaba de ser emitida pelo Ibama também é uma mostra do poder de fogo que o governo concentrou neste projeto. Há três anos, a EPE tentava viabilizar o licenciamento ambiental de São Manoel, uma usina de R$ 2,2 bilhões projetada para gerar 700 megawatts de potência, capacidade suficiente atender uma população de 2,5 milhões de pessoas.
Nas últimas semanas, reportagens publicadas pelo Valor revelaram a pressão que a EPE fez sobre a Fundação Nacional do Índio (Funai). O componente indígena sempre foi o principal obstáculo do empreendimento. Há duas semanas, a Funai encaminhou um ofício ao Ibama destacando que o projeto contabilizava 28 impactos sobre os povos indígenas, dos quais 27 seriam negativos e apenas um poderia ser classificado como adverso e benéfico.
No documento a fundação simplesmente listava uma série de razões que não permitiria a aprovação da licença. O Ibama, que já tinha concluído seu parecer sobre a viabilidade do empreendimento, ficou de mãos atadas. A partir daí, EPE e Ministério de Minas e Energia entraram em cena.
Nas duas últimas semanas, foram realizadas várias reuniões entre os membros da fundação e do setor elétrico. O objetivo foi tentar convencer a Funai a mudar de ideia. Num primeiro momento, houve resistência da fundação, que chegou a dizer que manteria 100% do teor do documento encaminhado ao Ibama. Poucos dias depois, porém, a Funai cedeu. Um novo parecer foi então encaminhado ao Ibama.
No documento, a Funai manteve parte das indagações feitas anteriormente, mas, após analisar as colocações do governo federal, atenuou suas críticas e deixou o caminho livre para o Ibama liberar a licença. A licença prévia é um documento fundamental, porque, sem ela, nenhum empreendimento hidrelétrico pode ir a leilão. A regra funciona como uma garantia de viabilidade do empreendimento para a empresa que decidir apostar no projeto.
Com uma represa que vai atingir 66 km2, São Manoel não atinge diretamente terras indígenas, ou seja, não inunda áreas demarcadas ou declaradas pela Funai. Ocorre que sua barragem está a menos de 2 km do limite declarado da terra Kayabi, onde vivem cerca de mil índios. A cerca de 150 km rio abaixo está a terra Munduruku, onde cerca de 9 mil índios sequer permitiram a entrada de pesquisadores na região, por serem contrários à usina.
Os empresários aguardam São Manoel com interesse. A questão agora é saber se, em apenas dez dias, o setor privado e as estatais elétricas terão tempo suficiente para montar uma proposta e disputar o empreendimento. Em recente entrevista ao Valor, o presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, disse que o ideal era ter pelo menos 30 dias de antecedência para apresentação de uma proposta. Nos bastidores, porém, o que se diz é que muitas empresas já analisavam o projeto em detalhes.
O projeto de São Manoel faz parte de um plano maior que a EPE desenha para o complexo do rio Teles Pires, região que avança pelo Norte do Mato Grosso até se encontrar com o rio Juruena, onde nasce o rio Tapajós. Duas usinas - Teles Pires (1.820 MW) e Colíder (300 MW) - já estão em fase de construção e uma terceira - Sinop (400 MW) - foi leiloada em agosto. Com a construção de São Manoel, uma sequência de quatro hidrelétricas está desenhada para região.


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Para Funai, São Manoel Gera 8 ‘impactos irreversíveis


20/11/2013

O governo tem tentado, mas até agora não conseguiu reverter o posicionamento da Fundação Nacional do Índio (Funai) quanto ao licenciamento ambiental da hidrelétrica de São Manoel, um projeto de 700 megawatts de potência estimado em R$ 2,2 bilhões, que a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) pretende licitar em leilão marcado para 13 de dezembro.
Nesta semana, apurou o Valor, São Manoel foi tema de reunião fechada no Ministério de Minas e Energia. Técnicos da EPE reuniram-se com representantes da Funai, na tentativa de tentar dar um fim ao impasse. Não houve acordo. A fundação manteve seu posicionamento contrário aos estudos apresentados sobre a usina, prevista para ser construída no rio Teles Pires, que divide os Estado do Mato Grosso e Pará.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Valor obteve o ofício que a Funai encaminhou ao Ibama, após analisar os estudos do componente indígena da usina. No documento, afirma que o levantamento da EPE contabilizou 28 impactos sobre os povos indígenas, dos quais 27 são negativos e apenas um pode ser classificado como adverso e benéfico. “Desses, cinco foram considerados irreversíveis pela própria EPE. Do ponto de vista da Funai, outros três foram considerados também irreversíveis, totalizando oito impactos irreversíveis”, diz o documento.
A Funai afirma que não tem informação suficiente para firmar um posicionamento técnico seguro sobre temas como o impacto aos peixes, apesar de ter cobrado levantamentos mais precisos. “Os estudos realizados não responderam suficientemente ao requerido pela Funai, nem foram apresentadas medidas de comprovada eficácia para mitigar impactos, sendo proposto um programa de monitoramento”, afirma a fundação, que é vinculada ao Ministério da Justiça.
A Funai menciona o caso de licenciamento de outra hidrelétrica em construção na mesma região, a usina Teles Pires, onde foi estabelecida uma série de condicionantes na etapa de licenciamento prévio, “as quais não foram cumpridas, sendo uma delas o monitoramento da ictiofauna [conjunto das espécies de peixes] por três anos”.
A falta de dados, segundo a Funai, também compromete a avaliação do componente sociocultural. Cita o caso do povo Munduruku, que sequer permitiu a realização de estudos em suas aldeias, “o que leva à ausência de estudos primários de impacto a esse povo”.
Em suas considerações finais, a fundação afirma que não possui “elementos conclusivos para manifestação positiva em relação à continuidade do processo de licenciamento”. A consequência disso é que o Ibama fica praticamente de mãos atadas para liberar a licença da usina, porque não tem o aval da Funai. Sem essa autorização prévia, o projeto hidrelétrico não pode ir à leilão.
Em resposta encaminhada ao Valor, a EPE questiona os dados da Funai. Segundo a autarquia, são apenas dois os impactos irreversíveis do empreendimento, e não oito, como afirma a fundação. “No ofício da Funai há contagem dupla e até tripla de um mesmo impacto que se prolonga por várias fases do projeto (planejamento, construção e operação)”, rebate a EPE. “Importante observar que impacto irreversível não significa necessariamente inviabilidade de um empreendimento. O tratamento de todos os impactos identificados está contemplado nos programas e medidas ambientais propostos pelos estudos.”
Em relação à inconsistência dos estudos sobre impactos nos peixes, a autarquia afirma que “o Ibama, a quem compete opinar sobre o tema, sinalizou que os estudos da EPE são satisfatórios”.
A EPE afirma que fez consultas públicas aos indígenas e diz que uma audiência sobre o projeto, realizada em setembro, contou com a presença de quase 70 membros das etnias Kaiabi e Munduruku, que teriam manifestado “claro interesse em participar do detalhamento” dos programas. “Além disso, representantes de todas as comunidades indígenas estiveram presentes nas três audiências públicas realizadas.”
Apesar do cronograma apertado, a EPE ainda acredita na possibilidade de conseguir autorização para o projeto ir ao leilão de dezembro. Segundo a estatal, o estudo do componente indígena de São Manoel propõe mais de 40 programas ambientais, que asseguram que o projeto é viável do ponto de vista técnico, econômico e socioambiental.

Por André Borges
Fonte: Valor Econômico


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Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre – Parte II



Nesta segunda parte do imbróglio do processo de licenciamento da UHE São Manoel ficam patentes as artimanhas, o cinismo e o desespero da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para viabilizar o projeto em tempo para o leilão de energia de dezembro de 2011. Como a EPE tenta manipular informações para evitar aprofundar os estudos ambientais. Os técnicos do Ibama e da Funai continuaram apontando as inconsistências  e pedindo complementações. O Ministério Público empreende sua via crucis junto ao judiciário, para evitar o desastre.

As falhas gritantes nos estudos ambientais e no Estudo do Componente Indígena (ECI) se acumulam e já seriam mais que suficientes para ter justificado a anulação do EIA/RIMA e do processo de licenciamento da UHE São Manoel.  É de estarrecer, também, a afirmação da EPE de que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com Terra Indígena.

EPE em desespero
No início de 2010, a EPE enviou ao Ibama o EIA/RIMA desenvolvido em 2009, mas sem os Estudos Socioambientais do Componente Indígena (ECI). Em março o Ibama expediu um ofício – 263/2010 – informando a recusa de análise do EIA, pois sem o ECI ele estava incompleto. Esse ofício, assinado pelo então Diretor de Licenciamento Ambiental, Pedro Alberto Bignelli, comunicava também que a solicitação de Licença Prévia estaria desconsiderada e, apenas com o estudo entregue em sua totalidade, deveria ser reapresentada ao Ibama.

Em abril, o diretor de Estudos Econômico-Energéticos e Ambientais da EPE, Amílcar Guerreiro, em resposta ao Ibama traduziu seu desapontamento diante da decisão. Afinal, o leilão da UHE São Manuel previsto  para acontecer em 2010 seria prejudicado. Inconformado, Amílcar Guerreiro, informou que as complementações pedidas pela Funai estariam concluídas em junho e que, diante disso, não cabia o entendimento de que o EIA da UHE São Manoel estivesse incompleto.

A Funai recusa as complementações
As complementações do ECI foram encaminhadas pela EPE em 17 de agosto de 2010.  A Funai, no entanto, expediu um ofício em 25 de agosto, informando à EPE que após uma checagem do ECI constatou que ele não possuía elementos suficientes para análise técnica e que estava em desacordo com o Termo de Referência.

Seguiu-se uma extensa lista entre quesitos insuficientes e não atendidos. Foram ao todo 30 itens.  Para finalizar, a Funai pede ainda a reinterpretação da análise de viabilidade dos documentos, pois na conclusão do EIA/RIMA não foram considerados os impactos sobre os povos indígenas.

O Ibama rejeita o EIA e o MPF se manifesta
Ainda em agosto de 2010, o Procurador da República do Ministério Público Federal de Mato Grosso, Mario Lúcio Avelar, oficializa o Ibama, reiterando o pedido de informações sobre o processo de licenciamento de todos os empreendimentos hidrelétricos na bacia do rio Teles Pires.
Dando continuidade ao processo de licenciamento, o Ibama fez a checagem do atendimento do TR do EIA/RIMA da UHE São Manoel. Emitiu parecer técnico em 14 de setembro de 2010, em que apontou 33 pendências, entre elas das complementações do ECI já mencionadas pela Funai. O EIA/RIMA foi rejeitado pela equipe técnica do Ibama, uma vez que ele não atendia ao TR.

A Funai endurece 
A principal pendência do EIA/RIMA continuou sendo as complementações dos Estudos do Componente Indígena (ECI) e isso se confirmaria meses depois, já em janeiro de 2011. Um ofício da Funai para a EPE informava que para o prosseguimento de qualquer atividade no processo, antes da emissão da LP, era preciso reformular os Estudos do Componente Indígena em onze itens específicos. Até então, esses estudos se referiam à UHE São Manoel e à UHE Foz do Apiacás – Terras Indígenas Kayabi, Mundurucu e Pontal dos Apiacá.

O estudo só seria aprovado depois de reformulado e após a realização de reuniões em terras indígenas "com linguagem e metodologia adequadas"previamente submetidas à Funai. Mais ainda, a fundação destacou que só depois do cumprimento integral das condicionantes do componente indígena da UHE Teles Pires, teria condições de avaliar os processos de licenciamento dos empreendimentos a jusante. Portanto, ficava aí estabelecida, pelo menos para a Funai, a relação entre o processo da UHE Teles Pires, já adiantado, e os demais processos da UHE São Manoel e da UHE Foz do Apiacás.
O cinismo da EPE

Em 21 fevereiro de 2011, Amílcar Guerreiro, diretor da EPE, enviou um ofício a Aluísio Atonio C. Guapindaia, diretor da Funai, onde manifesta sua preocupação com o rumo que o processo está tomando. Ele se reporta a outro ofício da Funai de que teve conhecimento, mas que não foi protocolado na EPE e que, segundo ele, punha em risco o desenvolvimento do potencial hidrelétrico brasileiro, em especial de projetos na região Amazônica.

Numa apologia à importância da energia elétrica nas sociedades modernas, Amílcar Guerreiro profetizou que, diante da postura da fundação, os brasileiros estariam condenados a sofrer os males provocados pela construção de projetos termelétricos em larga escala. O potencial hidrelétrico é patrimônio da União, apregoou ele, segundo a Constituição Federal.

Não poderia deixar de mencionar a urgência do PAC. Então, acaba entregando um dado estarrecedor ao mencionar que, de 48 projetos hidrelétricos, 18 atingem áreas de Terras Indígenas. Vai mais longe ao afirmar que 16 projetos, embora não estejam diretamente em TIs, estão a menos de 50 quilômetros delas, como a UHE São Manoel e a UHE Foz do Apiacás. Ainda confirma  que os projetos hidrelétricos no PAC 2 somam 80% com algum grau de interferência com TI.

Amílcar Guerreiro se mostra inconformado com a decisão da Funai de condicionar a análise dos ECI de São Manoel e Foz do Apiacás ao cumprimento das condicionantes da UHE Teles Pires. Usando um tom jocoso afirma que as usinas São Manoel e Foz do Apiacás "não atingem um hectare de TI demarcada, nem sequer de áreas pretendidas para ampliação da TI demarcada. A propósito [cinismo], o ECI revelou que a demarcação das terras é uma genuína preocupação das comunidades indígenas que parece ser muito maior do que a implantação das usinas. Se nesses casos a Funai se posiciona da forma como fez no (ofício), o que esperar com relação ao licenciamento dos projetos que atingem diretamente território indígena?"

O diretor da EPE anexou uma tabela (ver abaixo) das UHEs previstas no PAC 2 e as distâncias das TIs. São Manoel está a 700 m e Foz do Apiacás a 230 m da TI Kayabi.

A  EPE protocolou a reformulação do ECI na Funai em 27 de julho de 2011. A partir daí a Funai comunicou que passou a considerar o estudo apenas para a UHE São Manoel e não mais para a UHE Foz do Apiacás.
Em outro anexo chamado de "Considerações Gerais" sobre o ofício da Funai,  a EPE repudia o que chama de precedente e despropositada vinculação de projetos hidrelétricos de diferentes agentes e em diferentes etapas de licenciamento. Não há embasamento legal nessa colocação, mesmo que a Funai, como mencionado no item II, não tenha emitido um TR para o ECI da UHE Teles Pires.

Quanto aos índios isolados, objeto do item III desse mesmo anexo, a EPE atribui à Funai a culpa por não ter conseguido cumprir a exigência de elaborar o estudo relacionado aos índios isolados.

O Ibama também rejeita o RIMA
Em parecer técnico datado de 1° de abril de 2011, os analistas do Ibama rejeitam,  também,  RIMA da UHE São Manoel. A conclusão aponta inconsistências textuais e  recomenda a devolução do RIMA para as devidas correções. Faltam justificativas sobre a alternativa estudada, faltam fundamentos que façam o leitor, leigo no assunto, entender a decisão de construir a hidrelétrica e faltam explicações sobre a interação da UHE São Manoel com a UHE Teles Pires, rio acima.

Em 22 de julho de 2011, a EPE encaminha novamente o RIMA com as devidas correções para análise dos técnicos que se dão por satisfeitos e o aprovam em parecer de 27 de julho.
Neste momento, cabe perguntar o porquê de,  diante de tantos problemas detectados nos estudos, o projeto estar liberado para ir a leilão.

O Ministério Público de MT se manifesta
Em ofício ao Ibama, de 25 de julho de 2011, o Promotor de Justiça de MT, Marcelo Caetano Vacchiano, comunicou a instauração do Inquérito Civil (IC) 068/2011 para acompanhar o licenciamento ambiental da UHE São Manoel e requisita cópia integral do processo e informação sobre alterações no projeto.

Em 29 de agosto, novamente o MP de Mato Grosso se pronuncia, ainda dentro do IC, no sentido de solicitar a realização de audiências públicas nos municípios que sofrerão influência da UHE São Manoel – Alta Floresta, Paranaíta e Jacareacanga.

Ibama aceita o EIA/RIMA e marca audiências públicas
Depois de aceito o EIA/RIMA, o Ibama, dando continuidade ao processo de licenciamento ambiental da UHE São Manoel, marca as audiências públicas em Paranaíta (MT), Alta Floresta (MT) e Jacareacanga (PA) para os dias 22, 23 e 25 de outubro de 2011, respectivamente.

Em 07 de outubro de 2011, um ofício do Ibama, assinado pelo então presidente Curt Trennepohl,  ao Palácio do Planalto, Ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, José Elito C. Siqueira, em um procedimento inédito, solicita segurança nas Audiências Públicas.  A alegação é a forte resistência apresentada pelos Munduruku ao projeto da UHE São Manoel. Uma das competências do Gabinete de Segurança é o de coordenar atividades de inteligência federal e de segurança da informação.

Mas, em nota técnica de 19 de outubro de 2011,  o Ibama concluiu que o tema "sinergias e cumulatividades entre os impactos da UHE São Manoel e da UHE Teles Pires" não está satisfatoriamente contemplado no âmbito do EIA e necessita mais complementações. Os técnicos pedem que o empreendedor complemente as lacunas apontadas na análise e as informações sobre os Efeitos Cumulativos e Sinérgicos dos Impactos da UHE São Manoel.

As audiências públicas seriam suspensas em 21 de outubro de 2011, em decisão proferida pelo Juiz Federal Paulo Cezar Alves Sodré, da Subseção Judiciária de Sinop, MP, atendendo um pedido do MPF e do MP de MT. Para desespero ainda maior da EPE, a suspensão das APs da UHE São Manoel, por decisão liminar, inviabilizaria a habilitação do projeto para o leilão de energia marcado para 20 de dezembro de 2011. 

Em 7 de novembro de 2011, o Desembargador Federal, Olindo Menezes, derruba a liminar de suspensão das Audiências Públicas. Diante da reviravolta a EPE tenta de urgência confirmar com o Ibama agendar novas datas para a realização das APs, ainda em novembro, para viabilizar o leilão da UHE São Manoel. 

Continuo e finalizo este relato na Parte III, em que vou mostrar como a EPE "joga sujo". Primeiro exigiu alteração e depois desqualificou autor e relatório antropológico complementar requerido pela Funai e que foi contratado pela própria EPE. O relatório avaliou as implicações da UHE São Manoel nas comunidades indígenas, em especial na Terra Indígena Kayabi. 

Este artigo teve como base os documentos do processo de licenciamento da UHE São Manoel que tramita no Ibama.


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Hidrelétrica São Manoel: Cronologia de mais um desastre - Parte I



O processo de licenciamento da usina hidrelétrica São Manoel, no rio Teles Pires, começou em 2007.  O pedido foi feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE)  ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama). O projeto prevê a potência instalada de 750MW e a potência firme de 410,6 MW.

A área de inundação foi calculada em 52,95 quilômetros quadrados, com extensão de 41 quilômetros, nos municípios de Paranaíta, estado do Mato Grosso (MT) e Jacareacanga, no Pará (PA), região hidrográfica da Amazônia. O projeto da UHE São Manoel pretende ser a fio d'água. A EPE fez a apresentação formal do empreendimento ao Ibama em 30 de janeiro de 2008. Estavam presentes representantes das diversas instância do Ibama, da EPE, da Agência Nacional de Águas (ANA), das empresas Leme Engenharia e Croncremat contratadas pela EPE. 
Oficializada a abertura do processo de licenciamento no Ibama, o passo seguinte foi a elaboração do Termo de Referência para orientar a elaboração dos Estudos de Impacto Ambiental e Respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).  A EPE enviou ao Ibama, em 20 de fevereiro de 2008, uma proposta de Termo de Referência para elaboração do EIA/RIMA da UHE São Manoel, curiosamente datada de fevereiro de 2007, um ano antes.   

No período de 10 a 15 de março de 2008, o Ibama, como é praxe, realizou a vistoria técnica na área de influência da UHE São Manoel. Em 22 de julho de 2008 os técnicos do Ibama emitiram o relatório da vistoria técnica realizada em março. Esse relatório dá uma ideia clara das implicações futuras da construção da hidrelétrica em região de floresta preservada entre as corredeiras Sete Quedas e a foz do rio Apiacás no Teles Pires.

Beleza exuberante ameaçada
Foi possível no voo de reconhecimento, segundo o relatório, contemplar o reservatório da outra hidrelétrica, já em construção, a UHE Teles Pires, a montante do ponto escolhido para o barramento da UHE São Manoel. Na região foram observadas castanheiras de grande porte dentro de uma matriz dominante de áreas florestais relativamente bem conservadas e com inúmeros igarapés ao longo dos dois futuros barramentos.
 Tanto a UHE São Manoel como a UHE Teles Pires estão inseridas em Área Prioritária para Conservação, Uso Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira, segundo a Portaria n° 9 do Ministério do Meio Ambiente, de 23 de janeiro de 2007, esclarece o relatório. Ainda mais importante, tanto na margem esquerda como na direita do rio está uma área (Am043) considerada de importância biológica extremamente alta e prioridade de ação alta.

Os técnicos ainda ressaltaram que a localização do remanso do projeto da UHE São Manoel está a algumas centenas de metros rio abaixo da Sete Quedas e o eixo do barramento a apenas um quilometro de um terceiro projeto hidrelétrico previsto para ser construído na foz do rio Apiacás, a UHE Foz do Apiacás. Todos esses empreendimentos constam do inventário da bacia do rio Teles Pires.

Ainda, informa o relatório, a  importância da biodiversidade do local e  a relevância ecológica. Constataram a dinâmica pela presença de inúmeras ilhas que serão submersas, caso o projeto seja considerado viável, que requer estudos aprofundados de longo prazo. Some-se a isso locais de reprodução de espécies de peixes e de alimentação de animais sazonalmente inundados, que serão alterados.

Outra informação de suma importância está na constatação de que o local está próximo ao limite da Terra Indígena Kayabi. O texto ainda descreve a presença de andorinhas, araras-vermelhas, bugios, coatá-de-testa-branca, configurando a riqueza faunística da região escolhida para abrigar empreendimentos com tamanho potencial de destruição.

A ameaça já está lá
Outro fato que chama a atenção foi a constatação, pelos técnicos, da presença de acampamento de equipe de sondagem contratada ela Construtora Norberto Odebrecht. Sondagens e acampamento com desmatamento e danos à vegetação em plena Área de Proteção Permanente, não autorizado nesse caso. Antecipação de procedimentos sem a necessária declaração de utilidade pública ou autorização para intervenção em APP.

A urgência do PAC
Em 22 de julho de 2008, o presidente da EPE, Maurício Tolmasquin,  enviou ofício ao então presidente doIbama, Roberto Messias Franco, cobrando celeridade na emissão do Termo de Referência. Argumentou que São Manoel faz parte do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e que os processos decisórios devem obedecer o cronograma estabelecido pelo governo.

Tolmasquim, incomodado com aquilo que ele interpretava como atraso, mas que na verdade seria atinente aos procedimentos de licenciamento ambiental, mencionou que a apresentação do projeto e a concepção do EIA/RIMA eram do conhecimento dos analistas do Ibama desde janeiro de 2008 e a vistoria técnica fora realizada em março.
Cobrou e obteve. Em 25 de julho, o Ibama expediu o Termo de Referência. Mas, em 18 de setembro, a EPE protocolou uma análise do Termo de Referência do Ibama, para apresentar uma visão alternativa para o TR,"que incorpora conhecimentos já adquiridos das características regionais e do projeto, além da experiência do setor elétrico na elaboração de EIA/RIMA."

Entre as propostas está, por exemplo, a exclusão no TR das pré-definiões espaciais das áreas de influência do projeto. O Ibama  pediu que as áreas de influência indireta fossem definidas levando em consideração parte da bacia hidrográfica do rio Teles Pires. Reafirmou essa necessidade depois, em 21 de novembro de 2008, quando emitiu um novo TR aceitando algumas alterações da EPE e recusando outras.

Em 6 de março de 2009 a EPE enviou ao Ibama um novo ofício com justificativas para exclusão de quatro itens do TR com relação ao comportamento dos sedimentos nas diferentes vazões do rio Teles Pires a montante e a jusante do barramento da UHE Teles Pires. Esse estudo, segundo o Ibama se fazia necessário, uma vez que o remanso do reservatório da UHE São Manoel se estenderia até o barramento da UHE Teles Pires.

Para a EPE, no entanto, tais preocupações eram irrelevantes e valeram-se de observações técnicas em que minimizaram os efeitos dos sedimentos depositados ou transportados pelo rio Teles Pires. Aparentemente o Ibama aceitou a exclusão dos quatro itens do TR e o processo deu seguimento com a elaboração do EIA/RIMA  a partir de março de 2009.

A tentativa de dar um golpe no processo de licenciamento
A UHE São Manoel é uma das seis hidrelétricas planejadas para o rio Teles Pires e seu afluente Apiacás. Nesse conjunto, quatro delas estariam em processo de licenciamento pela Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) de MT. As UHEs São Manoel e Teles Pires estavam a cargo do Ibama.

Em 18 de março de 2009 , o analista ambiental Fernando de Carvalho Bittencourt, lotado no Ibama de MT, encaminhou em ofício, ao Departamento de Licenciamento Ambiental (DILIC),  uma representação do Ministério Público Estadual de MT, assinado pelo promotor Luiz Alberto Esteves Scaloppe. Nesse ofício o analista entende que implantar hidrelétricas em sequência no rio Teles Pires, com dispensa do EIA/RIMA dada pelo Conselho de Meio Ambiente (Consema) de MT, seria uma temeridade. Se reporta à importância dos argumentos do promotor e à preocupação da Conselho Estadual de Recursos Hídricos de MT (CEHIDRO), nesse sentido.

A representação do MP ao Ibama tinha, realmente, argumentos suficientes para provar que vários empreendimentos planejados numa mesma bacia hidrográfica, como o Complexo Hidrelétrico do rio Teles Pires, não poderiam ser licenciados isoladamente. Os efeitos sinérgicos e cumulativos de significativos impactos ambientais estavam sendo  ignorados nos estudos ambientais. Diante disso o promotor pedia a apreciação e providência ao Ibama para que promovesse a unificação dos estudos.

Componente Indígena e a tolerância da Funai
Em 02 de outubro de 2009, a Fundação Nacional do Índio (Funai) encaminhou à EPE o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena. Estranhamente, no entanto, a Funai diz no ofício de encaminhamento que está atendendo "à solicitação da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), no sentido que o Termo de Referência para os estudos do Componente Indígena abrangesse esses dois empreendimentos [ UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás], devido a sua proximidade geográfica."

A Funai informa ainda que o TR para os estudos do Componente Indígena foi elaborado a partir de "reuniões de esclarecimento nas comunidades indígenas." Resta saber se essas reuniões de esclarecimentos mencionadas aconteceram, quando e em quais comunidades. E as memórias dessas reuniões?

O TR da Funai reforça que para os dois empreendimentos, UHE São Manoel e UHE Foz do Apiacás, é facultado a elaboração de apenas um estudo do Componente Indígena que vai integrar os dois processos de licenciamento. Só não mencionam que a UHE Foz do Apiacás estava em processo de licenciamento na Secretaria Estadual do Meio Ambiente do MT e não no Ibama.

Os índios isolados na região mereceram atenção no TR.

Este artigo teve como base os documentos do processo de licenciamento da UHE São Manoel que tramita no Ibama.

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