sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

“A atual política indigenista brasileira permanece nos moldes deixados pela ditadura militar”. Entrevista especial com Egydio Schwade

 Fonte: IHU
28/02/2014

“Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais", constata um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - CIMI.

Como um “organismo oficiosamente” ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, e não “oficial”, para ter mais “agilidade” na sua atuação, o Conselho Indigenista Missionário – Cimi foi criado em 1972 e impulsionado por Egydio Schwade e pelo padre jesuíta Antônio Iasi Jr., responsáveis pela criação do secretariado executivo, que elaborou o primeiro plano de ação da organização. Num contexto ditatorial, no qual a questão indígena era esquecida, o secretariado executivo do Cimi surgiu com dois objetivos: “primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas (...); e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena”, relata Egydio Schwade, na entrevista a seguir, concedida pessoalmente à IHU On-Line, em visita ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

Egydio Schwade, que hoje mora no estado do Amazonas e convive com os índios Waimiri Atroari, conta que o Cimi surgiu com a proposta de pôr em prática as orientações do Concílio Vaticano II em relação à evangelização dos povos e transformar a pastoral indígena da Igreja da época. “O Concílio Vaticano II dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos. Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus”, descreve.
A atuação do Cimi junto às comunidades indígenas acirrou os conflitos entre a Igreja e os militares. Nesse contexto, Egydio Schwade assinala o protagonismo de padre Antonio Iasi Jr., hoje com 94 anos, autor do primeiro documento a apresentar e analisar a situação dos indígenas que viviam no Brasil. “Iasi foi o primeiro a fazer ‘balançar a ditadura militar’, porque provocava os generais a partir da questão indígena. (...) Uma vez, ele foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois, me diz: ‘Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general’. Então, nós fomos”, lembra.

Entre os documentos que repercutiram à época, Schwade destaca o Y Juca Pirama, elaborado por ele e Iasi, juntamente com Dom Pedro Casal dá liga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto e Frei Mateus, num encontro realizado às escondidas, no interior de Goiás. “Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: ‘não vamos arriscar tudo’. Como eu era secretário do Cimi, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do Cimi, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena”, recorda.

Na entrevista a seguir, Schwade conta a história do Cimi, sua repercussão durante a ditadura militar e avalia a atuação da organização 41 anos depois.

Egydio Schwade é graduado em Filosofia e Teologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Foi um dos fundadores do Conselho Indigenista Missionário - Cimie primeiro secretário executivo da entidade, em 1972. Hoje é colaborador do Cimi, residindo em Presidente Figueiredo-AM.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Quem é padre Antônio Iasi Jr.? Como e quando o senhor o conheceu? Pode nos contar a trajetória dele?
Egydio Schwade – Conheço padre Antônio Iasi Jr. desde os anos 1960 e, inclusive, morei com ele em uma aldeia dos índios Rikbaktsa, no rio Juruena, noroeste do Mato Grosso, em 1964. Ele sempre foi uma pessoa muito engajada, um padre jesuíta que desde sempre trabalhou com os índios, em aldeias.
Em 1972, nós criamos o Conselho Indigenista Missionário – Cimi e, a partir de 1973, foi criado o secretariado. Na ocasião, tornei-me o primeiro Secretário Executivo do Conselho. Logo de início percebi que um trabalho como esse, de âmbito nacional, não poderia ser realizado sozinho.
À época, o Cimi era um organismo oficiosamente ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. Não tinha uma ligação oficial por sugestão do então secretário-geral da CNBB, Dom Ivo Lorscheiter, que acreditava que o Cimi teria mais agilidade se fosse um órgão oficioso. Então eu fui o responsável por organizar a primeira equipe do secretariado executivo do Cimi. Como eu já havia criado, em 1969, a Operação Anchieta - OPAN— hoje operação Amazônia Nativa —, apelei para eles, que logo me cederam duas pessoas, alguns padres redentoristas e um seminarista meio rebelde. Assim, formamos a primeira equipe do secretariado executivo do Cimi, que organizou o primeiro plano de ação do Conselho, com dois objetivos: primeiro, organizar os indígenas para que eles tivessem uma organização entre si, pudessem se conhecer, se reunir, porque até então, desde 1500, não existiam organizações que defendessem os direitos indígenas — pouco se sabe sobre esse tipo de organização, e quando há alguma notícia ao longo da história, é sempre de uma organização que esteve diretamente a serviço do colonizador ou dos invasores portugueses ou holandeses; e o segundo objetivo, mudar a pastoral indígena.

IHU On-Line – O Cimi surgiu com o objetivo de ter uma atuação nacional?
Egydio Schwade – Sim, nacional. Quando criamos o secretariado, decidimos que o Cimi deveria olhar a questão indígena como uma questão nacional. À época, alguns missionários ficaram muito chateados com isso, disseram que a Igreja já não dava conta das missões da Amazônia e agora iria se interessar por outros indígenas, como os da região Sul. Porém, nós sustentamos a criação e atuação do Cimi e essa decisão foi de grande importância para o dinamismo interior da organização. Nesse sentido, colaboraram principalmente os leigos, através da Operação Anchieta, hoje conhecida como Amazônia Nativa.

IHU On-Line – Em que consistia essa Operação?
Egydio Schwade – Era inicialmente uma operação de missionários leigos da Igreja Católica e Evangélica. Enquanto todas as dioceses ou ordens religiosas se limitavam a seus territórios de atuação, a Operação Anchieta era o primeiro organismo dentro da Igreja Católica e Luterana que abria horizontes sem limites de prelazias e dioceses. Eles colocavam as suas pessoas à disposição, localizavam aldeias e as mostravam aos bispos e padres, constituindo novas paróquias e abrindo a missão.
No Sul, Egon Heck foi o primeiro coordenador do Cimi Sul e um dos responsáveis por dinamizar o trabalho na região. Minha esposa, Doroti, que era catarinense, foi a primeira coordenadora do Cimi na Amazônia Ocidental. E, nesse contexto, padre Iasi se juntou a nós, formando a primeira equipe do Cimi.
Nosso trabalho consistia em ajudar os índios a se conhecerem entre si, a conhecerem as lideranças de diversos povos. Também tínhamos o objetivo de transformar a pastoral indígena da Igreja da época, de acordo com a orientação do Concílio Vaticano II, o qual dizia que a Igreja deveria acabar com a catequese, assim como os missionários teriam de procurar colher as sementes de Deus ocultas nos povos. Então, ao invés de catequizar os índios, passamos a evangelizá-los e a transmitir a Boa Nova, que se contrapõe à Má Nova. E qual era a Má Nova para os índios? A perda de suas terras, de sua cultura, da autodeterminação. Por isso, nós nos contrapúnhamos.
Evangelização é o quê? Ajudá-los a lutar pelas suas terras, pelo seu território e pela sua cultura, porque quanto mais eles mantêm a sua cultura, mais se manifestam as sementes ocultas de Deus. Essa nova posição da Igreja criou grandes problemas com oficiais militares. E, nesse contexto, deu-se uma das grandes missões de padre Iasi. Ele foi o primeiro a fazer “balançar a ditadura militar”, porque provocava os generais a partir da questão indígena. Padre Iasi não tinha nenhum patrimônio, a única coisa que possuía era uma malinha. Se as coisas cabiam lá dentro, ele as levava. Se não cabiam, ficavam.

IHU On-Line - Onde padre Iasi viveu durante esse período?
Egydio Schwade – Nossa sede deveria ser em Brasília, mas durante todo esse período, eu mesmo, como Secretario Executivo, nunca fiquei um mês consecutivo lá. Nós estávamos sempre nos interiores, justamente para abrir os olhos dos padres, dos bispos,  das prelazias, etc. Também tínhamos a preocupação de que os índios tivessem a oportunidade de sentir que havia alguém do lado deles para se organizarem. Então, nós estávamos onde a situação estava mais “quente”.
Iasi foi um dos que enfrentou as barras mais pesadas, porque ele via as coisas. Nesse período de tensão com a ditadura, uma das nossas estratégias — talvez até de sobrevivência — era recorrer à imprensa, aos jornalistas, e tínhamos jornalistas de peso do nosso lado. Quando entrávamos nas cidades, éramos cercados de jornalistas — Iasi e eu principalmente —, porque sempre tínhamos o cuidado de não expor demais os leigos, que geralmente eram a parte mais frágil. Houve uma época em que a ditadura militar começou a censurar os jornais, e essas censuras atingiram a questão indígena. Mas, assim mesmo, quando não conseguiam publicar em um jornal, os jornalistas publicavam em outro.

IHU On-Line - Qual foi a importância e a repercussão, à época, do documento Y Juca Pirama - o índio, aquele que deve morrer, do qual Iasi foi autor?
Egydio Schwade – Quando assumi o secretariado do Cimi, fiz uma viagem pelo interior do país, e na volta organizamos uma reunião com alguns bispos para falar da situação indígena no Brasil. Padre Iasi foi quem escreveu o primeiro texto da situação indígena no país. Como era ditadura, nos reunimos às escondidas no interior de Goiás, no município de Abadiânia, entre Brasília e Goiânia. Estiveram presentes Dom Pedro Casaldáliga, Dom Tomás Balduíno, Elizeu Lopes, então frei dominicano, Ivo Poletto, Frei Mateus, Iasi e eu. Nesse encontro, chegamos à conclusão de que o Cimi deveria se posicionar ante essa situação dos índios brasileiros. Escrevemos, então, o documento Y Juca Pirama, que teve bastante repercussão. Muitos estranharam por que eu não assinei esse documento, mas essa foi uma estratégia que adotamos a pedido de Dom Pedro, que dizia: “não vamos arriscar tudo”.
Como eu era secretário do Cimi, foi melhor não assinar o documento, porque dessa forma os militares não teriam motivo para fechar o secretariado do Cimi, que à época era a instituição que dava impulso à questão indígena. Eu também fui responsável por procurar os bispos do Sul que quisessem assinar o documento. À época, somente um bispo quis assinar, o bispo de Palmas - PR — nem esperávamos que fosse assinar —, e mais dois padres de lá.

IHU On-Line – O Cimi não teve repercussão dentro da Igreja da época?
Egydio Schwade – O episcopado ficou bastante na “moita”, porque o governo estava sempre “em cima”. Tínhamos de fazer tudo escondido. Eu era responsável pela entrega do material de leitura que era enviado para leigos e padres, e lembro que certa vez telefonei de Brasília para Goiânia para pedir um estoque de textos sobre a questão indígena. Precisava fazer a solicitação a um leigo da prelazia de Dom Pedro, que era o responsável pela distribuição do material. Telefonei, mas ele estava viajando. Nesses casos, tínhamos de falar com as pessoas através de uma senha, que era “material escolar”. Ou seja, pedi para providenciarem mais “material escolar”. Quando cheguei a Goiânia para buscar o material, uma leiga da diocese de Dom Tomás, que foi fazer a entrega, estava trêmula, com um “pacotinho” na mão, e me disse que o Moura (um leigo) acabara de ser preso. Passei muito medo naquela noite, pois a única pessoa estranha que entrou no ônibus que peguei para voltar a Brasília se sentou justo atrás de mim.

IHU On-Line - Como foi estar à frente do Cimi no período militar? Quais dificuldades vocês enfrentaram nesse período?
Egydio Schwade – A nossa sorte foi contar com a ajuda da imprensa. Ela foi responsável por todo o avanço da questão indígena. Não foi o ABC que balançou a ditadura — esse já era o período final. A nossa sorte foi contar com a participação dos jornalistas, que tomaram a decisão de tornar pública a questão indígena a qualquer custo. Com isso eles nos evidenciavam quase toda semana nos jornais, o que dificultava uma posição contra nós por parte dos militares.

IHU On-Line - Existem casos de tortura entre os membros do Cimi?
Egydio Schwade – Os membros do Cimi foram retirados de suas áreas, como, por exemplo, no Acre, onde havia uma equipe de três pessoas: uma assistente social, um professor e uma enfermeira. Eles foram retirados de suas áreas sob tortura. Uma vez, o Iasi também foi expulso aos empurrões da Funai, em Brasília, para nunca mais voltar. Mas dois dias depois ele me diz: “Egydio, está na hora de voltarmos à Funai. Precisamos visitar o general”. Então, nós fomos.

IHU On-Line - O Cimi tinha um diálogo estreito com a Funai?
Egydio Schwade – Não. Nós íamos reclamar as posições. Nossa posição era — e a posição do Cimi ainda é esta — cobrar ações em favor do índio e o cumprimento da legislação indigenista. Nós questionávamos a política do governo, que era contra a legislação indigenista.

IHU On-Line - O senhor tem contato com padre Iasi?
Egydio Schwade – Ele está com a saúde muito debilitada, mas mantém o mesmo humor. Enquanto ele teve forças, esteve sempre nos ajudando na questão indígena.

IHU On-Line – Que rumos o Cimi tomou depois da ditadura?
Egydio Schwade – Em primeiro lugar, acredito que o Cimi continua na posição correta de questionar a política indigenista brasileira, a qual permanece nos mesmos moldes em que foi deixada na ditadura militar. Houve uma pequena tentativa de mudança, que começou com a criação de uma equipe formada pelos índios Waimiri Atroari, pelo Cimi, pela Funai, por alguns advogados e professores de universidades, que reencaminharam toda política indigenista. Mas, menos de dois anos depois, minha esposa e eu assumimos o trabalho com a comunidade Waimiri, fizemos a primeira alfabetização na língua desse povo, e eles começaram, espontaneamente, a revelar que mais de dois mil índios foram mortos durante a ditadura militar. Como a Funai estava envolvida com as mortes, a nova política indigenista passou para uma empresa que também estava interessada em ocultar os fatos, e a mudança na política indigenista parou por aí.

Em nível nacional, a Funai se reencaminhou com a posição do senador Romero Jucá, que até hoje é inimigo dos índios. Eles, então, retomaram o roteiro da ditadura militar e passaram a investir nos grandes projetos de mineração, de hidrelétricas, os quais estão muito mais agressivos do que durante a própria ditadura. Antigamente nós conseguimos evitar a obra de Belo Monte; hoje em dia, não se consegue mais.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O partido e a ordem


Além de 2014 e a reeleição de Dilma, está em curso outra batalha: a conexão (ou não) do PT com uma nova geração de militantes por um Brasil mais justo.


Jean Tible (*)


Desencontro

Existe um – surpreendente? – desencontro entre as mobilizações recentes (as jornadas de junho que prosseguem de várias formas e intensidades) e o Partido dos Trabalhadores.

Algumas posições-ações petistas causam surpresa (apesar de não representarem o PT como um todo): torcida – explícita ou não – pelo fim das manifestações; avaliação que estas acabaram; flerte com as perigosas vias da criminalização das “ações violentas” (de manifestantes, não das polícias).

São posturas petistas contra natura, já que o PT nasce e vem desse mesmo lugar, das resistências, ruas, locais de trabalho, bairros, periferias, campo. O PT como criação “inédita”, por mesclar democracia e diversidade internas com uma nova forma de ocupar posições institucionais. Um partido-movimento; que vem perdendo fôlego.

Passados onze anos de governo federal – e inúmeras conquistas sociais e políticas –, um diagnóstico compartilhado por muitos militantes e dirigentes manifesta a imperiosa necessidade de transformação do partido. As manifestações são justamente uma oportunidade inédita – uma dádiva – para o PT pensar as “lacunas que persistem na reflexão partidária” (Convocatória do V Congresso).
 
Reflexão e ação. Em várias intervenções, Dilma, Lula e Rui Falcão declararam sua “abertura” aos protestos e às reivindicações das ruas-redes. Apesar dos cinco pactos propostos pela Presidenta (e da vinda dos médicos cubanos), tal abertura ainda permanece, infelizmente, antes de tudo retórica. 

Direito de lutar e manifestar

Talvez o principal desencontro se dê na falta de indignação frente às prisões arbitrárias de manifestantes que... manifestavam. Isso vai contra qualquer Estado democrático de direito e ocorreu em muitas cidades brasileiras, em vários momentos. Surgem, além disso, inúmeros relatos de perseguições cotidianas a vários militantes (e a suspeitíssima morte da atriz e diretora de teatro Gleise Dutra Nana, após um incêndio em sua casa em Duque de Caxias). Nenhuma fala contundente, nenhuma ação. Mesmo se esses fatos inadmissíveis são produto dos governos estaduais e suas polícias, várias intervenções desastrosas do Ministro da Justiça indicam um – implícito? – apoio à repressão suave em curso: “inteligência” contra “lideranças”, endurecimento da legislação.

Perdeu-se aí uma possibilidade de articulação entre lutas contra injustiças. Faltou uma posição mais contundente do PT pelo Estado democrático de direito, isto é contra a prisão arbitrária dos jovens (agora soltos, salvo um, o morador de rua Rafael Braga Vieira, não por acaso negro e pobre, condenado a cinco anos de prisão por carregar um frasco de desinfetante e outro de água sanitária, instrumentos de trabalho, na manifestação de 20 de junho), sem direito à fiança e com acusações frágeis para dizer o mínimo. Ademais, a crítica às condições carcerárias não se fez ouvir com força antes das injustas prisões dos petistas. Teria outra posição colocado os jovens manifestantes ao lado da revolta petista contra os arbítrios da AP470 e as prisões dos seus antigos dirigentes?

Quando a trágica morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade vem se somar à dezena de mortes já ocorridas desde o início dos protestos (inclusive uma, do camelô Tasman Accioly fugindo das bombas da polícia no dia em que Santiago foi atingido), isso se reforça. O terrível acidente – e dramático erro – leva a um linchamento. A violência policial parece ser vista como natural. Assim como as balas de borracha. O que deve ser debatido é, ao contrário, o uso de máscaras por parte alguns manifestantes e leis contra o “terrorismo”. Acabaram encontrando-se, surpreendentemente, do mesmo lado PIG, muitos blogueiros progressistas e setores do PT...

Algo mudou no país. O recorrente se tornou insuportável. Amarildo. Amarildos. Douglas. E muitos outros. Revoltas contra o continuum escravocrata do nosso país. No entanto, ao invés de pautar de forma contundente uma reforma das polícias (incluindo a desmilitarização da PM, projeto da esquerda derrotado na Constituinte de 1988 e novamente nos anos 1990), de provocar um debate nacional, o PT praticamente silencia. Essa reforma e uma nova política de drogas (incluindo a legalização da maconha e outras medidas visando separar seu consumo do crime organizado) são fundamentais para enfrentarmos o extermínio da juventude negra, assim como o atual encarceramento em massa.

Uma agenda de esquerda caminharia, a meu ver, rumo à afirmação de um Direito à luta e à manifestação. Nunca mais Pinheirinho, Tekoha Guaviry e muitos outros, incluindo o assassinato de um índio por semana desde 2003 (dados do Cimi).
 
Algumas propostas já estão em pauta no Senado, por iniciativa de Lindbergh Farias (proibição das balas de borrachas e desmilitarização da polícia). Uma regulamentação das armas menos letais como um todo (balas de borracha, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, etc.) poderia ser um bom começo. Temos bons exemplos ao Sul, na Argentina (armas menos letais) e no Uruguai (maconha).

Democracia, representação e participação

Parece-me que a única forma de aprofundar o processo de transformação em curso no Brasil está na conexão do partido com um fértil fenômeno que envolve a realização de assembleias horizontais e a ocupação de espaços públicos, legislativos – e até shoppings! – e à política (mais horizontal, distribuída) que anuncia uma nova geração, aqui e pelo mundo. Menos representação e mais participação. 

Trata-se de uma oportunidade de se repensar a participação popular e as dinâmicas sociedade-estado. Em que pese a importância, histórica e atual, da democracia participativa do modo petista de governar, esta não é mais suficiente.
 
O Orçamento Participativo teve um papel fundamental no difícil contexto dos anos 1990 para todas as esquerdas e buscava – numa das perspectivas mais radicais (Raul Pont) – colocar em xeque a “representação burguesa” a nível local (vereadores). Um esboço de soviet contemporâneo.

Hannah Arendt celebrava os conselhos como o “tesouro perdido da tradição revolucionária”, mas o fazia somente no sentido político e não econômico (este sendo inquestionável?). Paradoxalmente, o PT foi se aproximando de uma perspectiva “liberal” de participação. Temos o exemplo da Islândia (apesar das fortes especificidades desse país), onde uma revolta popular, seguida de um plebiscito, mudou a política econômica e depois a constituição com ampla participação dos cidadãos, inclusive pelas redes sociais. No programa do Partido X, criado a partir do 15M espanhol (indignados), aparece com destaque a ideia de uma democracia econômica.

Abre-se hoje o desafio de pensar o modelo produtivo e a participação neste campo. A abertura das planilhas, das companhias privadas de ônibus à geração e distribuição de energia. Criar novos espaços, tais como a reivindicação histórica da CUT em participar do Conselho de Política Monetária. Transparência (acesso aos dados) e participação na Petrobras, Eletrobrás e BNDES. As lutas abrindo os debates. Como foi decidida Belo Monte? Quais os investimentos na Amazônia? E as condições trabalhistas nas grandes obras? Que controle das empresas, públicas e privadas? Por que não temos uma política de esporte amador digna desse nome? Uma Copa e Olímpiadas participativas não teriam permitido as remoções em seu nome (Copa rebelde!).

A participação mais do que a representação envolve também pensar em mecanismos onde os usuários – da saúde, educação, transporte... – possam ter maior protagonismo, inclusive no controle social e – por que não? – gestão. Gestão das questões públicas para que se tornem realmente públicas, ou melhor, comuns...

Novos personagens. Desejo de mudar a política. Em ato, na prática. A abertura das planilhas do transporte metropolitano privado e outras somente são possíveis com mobilizações na rua. Isso vale também para as reformas “estruturais”, lei de mídia, reformas política, urbana, tributária ou agrária. Ou para aprovar, enfim, o Marco Civil da Internet, a reforma da polícia ou uma nova lei de drogas. Menos apelos (genéricos) às “grandes” reformas e mais ações concretas que apontam para essas mudanças que desejamos. Junho (que continua) permite pensar em novas formas de articulação entre lutas (ruas, redes e instituições). Onde o governo não tem “correlação de forças” para mudar certas políticas, o PT deve abrir os debates, mobilizar e ajudar a alterar a tal correlação de forças....

Além de 2014 e a reeleição de Dilma, está em curso outra batalha: a conexão (ou não) do PT com uma nova geração de militantes por um Brasil mais justo e livre e com sua potência democrática. 2014 pode ser “vencido” sem isso, o próximo período não. Tal desafio pede um partido vivo, isto é em contato com as lutas e aberto às transformações das novas vanguardas que surgem. Um diálogo entre um ator incontornável para uma democracia real no Brasil (o PT) e novas expressões de radical politização. Um partido participando das ocupações em curso. Ocupa PT?!

(*) Jean Tible é professor de relações internacionais do Centro Universitário Fundação Santo André

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Quando o jornalista está a serviço do poder!


 As usinas-plataforma do rio Tapajós

Há muita incompreensão sobre a influência das hidrelétricas no meio ambiente, especialmente em regiões pouco desenvolvidas


As exigências de respeito ao meio ambiente vieram para ficar. Nenhuma obra pública ou privada poderá desconhecer essa realidade. Mas há muita incompreensão sobre a influência das hidrelétricas no meio ambiente, especialmente em regiões pouco desenvolvidas, como no norte do país.
A opinião é de Altino Ventura Filho, Secretário de Planejamento e Desenvolvimento do Ministério das Minas e Energia (MME) e um dos mais experientes técnicos do setor, durante o seminário "As hidrelétricas da Amazônia e o meio ambiente", promovido pelo Jornal GGN (www.jornalggn.com.br).

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Por outro lado, 35% do potencial hidrelétrico brasileiro estão na região norte, localizados nos rios à margem direita do rio Amazonas, começando pela fronteira, com o Tocantins-Araguaia. Tem o Xingu, onde se encontra a usina de Belo Monte; o Madeira, com as usinas de Jirau e Santo Antonio; e o Tapajós, a maior aposta.
Só agora se está iniciando o aproveitamento do potencial hidrelétrico do norte. Até agora foram explorados apenas 5%, contra o aproveitamento quase total do potencial das demais regiões brasileiras. Sem uma exploração adequada e racional do potencial do norte, não haverá espaço para a expansão hidrelétrica brasileira.

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Não se pode comparar uma hidrelétrica com outras formas de energia, pela razão de que ela é muito mais do que um projeto de energia. Historicamente foram ferramentas de desenvolvimento social e regional, proporcionando benefícios às populações residentes.
Para compensar o fim das obras e a desmobilização dos trabalhadores, foram concebidas como projetos de desenvolvimento, ajudando na urbanização, na criação de condições econômicas para os municípios no entorno, como foi o caso de Urubupungá, Ilha Solteira, Jupiá. Os lagos formaram praias, forneceram água limpa, permitiram lazer, navegação, pesca, abastecimento, permitindo novas atividades econômicas, como a agricultura, pecuária e serviços.

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No Tapajós, será a primeira vez que se construirá uma hidrelétrica em região não habitada. Com isso, se abandonará completamente o modelo de desenvolvimento até agora padrão, reduzindo as externalidades positivas do empreendimento, mas também os fatores de atrito com as entidades ambientais.
O modelo será da usina-plataforma - nome conferido por conta da semelhança com as plataformas de petróleo.
Será um empreendimento localizado em ponto bem específico e sem implicações ambientais. Não será indutora de desenvolvimento regional. Na fase de construção serão levantadas instalações temporárias, ao contrário do modelo de vilas operárias, depois transformadas em cidades.
As instalações ficarão restritas ao entorno das usinas,, possivelmente na área do futuro reservatório. Não serão abertas rodovias de acesso, com seu potencial de devastação. A construção das linhas de transmissão usará o rio para o transporte.
Terminada a construção, todas as instalações serão desmobilizadas, as condições naturais locais serão recompostas e as áreas adquiridas transformadas em parque nacional.

Na operação, haverá o mínimo de presença humana. Se automatizará o máximo, o transporte possivelmente será por helicópteros.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Carta aberta Grupo de Trabalho Amazônico – GTA/RO


Assembleia Legislativa de Rondônia aprova o fim da Reserva Extrativista Jaci-Paraná e vai se consolidando o processo de destruição das florestas de Rondônia.

Em afronta a uma decisão judicial para retirar invasores, no dia 11/02/14, a Assembleia Legislativa de Rondônia aprovou, a toque de caixa, o Projeto de Decreto Legislativo n.º 143/14, acabando com a Reserva Extrativista (RESEX) Jaci-Paraná (199.623,20 ha).
          Nas duas últimas décadas, foram em vão as inúmeras denúncias e apelos formulados pela Organização dos Seringueiros de Rondônia – OSR e associações de seringueiros aos órgãos públicos competentes.
Para tentar controlar a invasão, os seringueiros chegaram a aceitar a proposta de uma empresa de fazer um plano de manejo florestal no sul da reserva, próximo a Buritis. Após a invasão da primeira área que iriam manejar na divisa, o plano de manejo foi implantado mais interiorizado e mesmo assim foi invadido por madeireiros sendo que os seringueiros tiveram que fugir da área. A gota d’água foi uma emboscada no Rio Jaci-Paraná, onde o seringueiro que pilotava uma voadeira foi alvejado e conseguiu se salvar  mergulhando e escondendo-se na vegetação, seus algozes pensaram que ele tinha morrido. Nos anos seguintes a invasão explodiu e até mesmo as casas dos seringueiros eram queimadas para esconder a grilagem de suas terras.
             Em Rondônia, os poucos remanescentes de populações tradicionais ribeirinhas e extrativistas que ainda resistem na floresta, sofrem contínuo assédio e opressão de invasores. Além de pescadores, as áreas em contato com loteamentos/fazendas, são fustigadas por madeireiros, caçadores e grileiros de terras, via de regra, acompanhada de ameaças de morte. Na mesma semana que os parlamentares desafetavam a RESEX Jaci-Paraná, um morador da RESEX Aquariquara foi assassinado e provavelmente vai se juntar a outros casos de assassinatos em RESEX impunes em Rondônia.
          O processo de grilagem de terras da RESEX Jaci-Paraná, obedece à tática de “crime organizado” que está destruindo várias unidades de conservação do Estado. A indústria madeireira instalada em Rondônia, em número muito maior que o de florestas disponíveis, sobrevive em boa proporção de madeiras roubadas de unidades de conservação e terras indígenas, com toda sorte de fraudes e conivências para esquentar madeiras. No caso da RESEX Jaci-Paraná, além de madeireiras licenciadas vizinhas a RESEX, os madeireiros foram saqueando madeiras e no seu rastro deu-se a invasão por grileiros.  A posse das terras, via de regra, se dá com a invasão em grande número de pessoas que destroem a floresta, vendem as madeiras, semeiam o capim e ficam de fora, incendiando anualmente a área. De um a dois anos, é possível transformar uma vasta região de floresta em fazendas pecuárias, e eles apostam na lógica do fato consumado, onde, destruir floresta é aceito como “benfeitoria”. É difícil responsabilizar os autores, uma vez que os grandes em geral agem com prepostos e mesmo os pequenos nos primeiros anos entram esporadicamente na reserva e em geral impera a “lei do silêncio”, sendo corrente o jargão mafioso “quem dedurar morre”.
Outro procedimento corrente nas duas últimas décadas é o enfrentamento com os órgãos de fiscalização, que em razão da agressividade dos invasores, demanda grandes contingentes de servidores nas missões (ambiental, policial e/ou exército), tornando caras e raras as fiscalizações.
          Na RESEX Jaci-Paraná foram reproduzidas as mesmas táticas empregadas anteriormente para destruir boa parte da vizinha Floresta Nacional do Bom Futuro, hoje em parte transformada em Área de Proteção Ambiental – APA, que de APA não tem nada, a maior parte são fazendas de pecuária de corte e o restante lotes de pequenos produtores, que continuam dizimando as florestas remanescentes impunemente. 
Cabe destacar, que parte da invasão da reserva extrativista partiu do interior da FLONA/APA Bom Futuro.
          A frente parlamentar da grilagem em Rondônia emprega um discurso falacioso de que são pequenos produtores, mas há informações de que tal qual na Flona Bom Futuro, a maior parte das terras da RESEX Jaci-Paraná foram apossadas por fazendeiros, que grilaram as mesmas para pecuária de corte ou especulação fundiária. Basta uma análise na dinâmica do desmatamento da reserva, com inúmeros desmates anuais com polígonos de mais de 100 ha. Pelos menos uma dezena de imóveis tem mais de mil cabeças de gado bovino e várias dezenas de posses têm uma ou mais centenas de cabeças, ou seja, não se trata de pequenos produtores de origem humilde.
          Como toda atividade de crime organizado, muitas fazendas estão divididas artificialmente para “enganar” os órgãos públicos, assim como, é frequente o uso de nome de “laranjas”, que acobertam os nomes de gente graúda que estão participando do butim, incluindo políticos ou seus parentes. Há muitas posses em nome de mulheres, no caso “companheiras”, para ocultar os maridos (proprietários, empresários, funcionários públicos) ou já beneficiários de terras públicas.
          Em tempos de mudanças climáticas contundentes, efeito estufa, é impressionante como os políticos de Rondônia fazem apologia à destruição da floresta e a invasão de unidades de conservação e tratam criminosos ambientais como heróis. É só ver as imagens de satélite no Google Earth, para constatar que Rondônia abriga a maior área contínua de capim em área desflorestada da Amazônia internacional.
Nos mandatos de governador entre 2003 a 2010, ficava implícito o apoio aos invasores de unidades de conservação e áreas protegidas, contudo que houve uma explosão de invasões e desmatamentos nas reservas. A exemplo, segundo dados do Programa Prodes, a Reserva Extrativista Jaci-Paraná, saltou de um patamar de aproximadamente 1.500 hectares desmatados em 2002 para aproximadamente 55.000 hectares até 2012, tendo seus picos de desmatamento entre os anos de 2003 a 2010. No período, além de uma fantástica geração de créditos virtuais de madeiras no estado, foram emitidos cadastros para invasores da RESEX Jaci-Paraná e algumas outras reservas estaduais, entendido pelos invasores como reconhecimento de suas posses e consequentemente estimulando novas invasões. Por sua vez, os prefeitos colocam escolas, arrumam estradas e pontes, ou seja, em Rondônia a invasão de unidades de conservação é praticamente oficializada.
          Neste ano eleitoral, o prêmio aos que invadiram a RESEX Jaci-Paraná é só o começo, a frente parlamentar da grilagem quer liquidar com várias unidades de conservação na 3ª aproximação do zoneamento (ZEE-RO), ou, transformar as reservas de interesse dos grileiros em APAs, onde além de premiar os invasores com o domínio da terra, o desmatamento é mais tolerado que em projeto de colonização. O zoneamento estadual ao invés de cumprir seu propósito de ser um instrumento de planejamento das políticas públicas, está cumprindo a sina de reservar grandes áreas para a grilagem e politicagem, como dizem alguns ruralistas, “foi financiado pelo Banco Mundial para inglês ver”.
          O pior de tudo, é que os grupos madeireiro/pecuarista que estão destruindo as florestas e unidades de conservação de Rondônia, estão avançando para todo o Sul do Amazonas (de Lábrea a Apuí) e BR 319, não é a toa que alguns membros da bancada ruralista de Rondônia estão na linha de frente pelo asfaltamento da BR 319, prenunciando uma nova frente para madeireiras nômades, formação de fazendas pecuárias e marginalização das comunidades tradicionais.
          Enquanto “destruição de floresta em áreas protegidas” for tratada como benfeitoria e invasores ao invés de serem obrigados a recuperar os danos, forem premiados com a posse das terras, não há perspectiva para as unidades de conservação neste país.
          A rede GTA é formada por 20 coletivos regionais em nove estados brasileiros, envolvendo mais de 600 entidades representativas de agricultores, seringueiros, indígenas, quilombolas, entidades ambientalistas, de direitos humanos, etc. A rede GTA, repudia o ato legislativo sendo solidária às lutas dos Seringueiros de Rondônia. Solicita ao Governo do Estado de Rondônia e a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Ambiental – SEDAM, um posicionamento oficial quanto aos fatos recentes narrados nesta carta.

Porto Velho, 18 de fevereiro de 2014.

REDE GTA/RO

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

ACORDA BRASIL: Dilma decreta "Estado de Exceção" e envia Exército para conflito no sul da Bahia


Forças Armadas serão utilizadas contra a população civil e irão atuar em meio a conflito por terras entre indígenas e não indígenas


A presidenta Dilma Rousseff decidiu pela suspensão da ordem e a implantação do Estado de Exceção para lidar com o crescente conflito por terras. A medida segue o trâmite legal que autoriza a exceção, estabelece um período no tempo (trinta dias), e no espaço: o Sul da Bahia. O motivo é um problema de ordem civil, que decidiu-se enfrentar por braço militar: a regularização das terras indígenas. O uso do Exército contra civis foi determinado para "prevenir o agravamento dos conflitos que vêm ocorrendo entre índios tupinambás e produtores rurais", publicado na segunda-feira 17 de fevereiro, seguindo Portaria do Ministério da Defesa que dispõe sobre a Garantia da Lei e da Ordem. Cerca de 500 soldados foram deslocados. As Forças Armadas vão agir de uma forma ampla na região de Buerarema. A medida de exceção é valida, a princípio, até 14 de março.
O Exército, junto da Polícia Federal e da Força Nacional, tem sido frequentemente utilizado pela presidenta para tratar questões indígenas. Em seu mandato, a Polícia Federal protagonizou ações que acabaram levando à morte de dois indígenas, Adenilson Kirixi Munduruku (7 de novembro de 2012, no Pará), e Oziel Terena (30 de maio de 2013, no Mato Grosso do Sul). Ambos crimes terminaram com as forças de Estado protegidas pela impunidade.
Em dezembro do ano passado, no sul do Amazonas, indígenas Tenharim buscaram refúgio em um quartel do Exército para se protegerem de um genocídio organizado pela elite local, que incitou o ódio racial contra os índios e mobilizou uma multidão para ataca-los – algo que lembra o que se fazia, na mesma região, durante as correrias dos seringais. As investigações da Polícia Federal contra essa tentativa de se produzir um massacre, um brutal crime contra a humanidade, tampouco chegaram a conclusões sobre culpados.
O que ocorre agora na Bahia é um desenrolar de uma crise que se estende ao longo dos últimos anos no que toca aos direitos indígenas: a incapacidade do governo de fazer cumprir a Constituição. E a saída escolhida é a mais perigosa.
A medida foi condenada pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) que, em comunicado, alertou para o perigo da militarização do conflito e expôs que a verdadeira justificativa utilizada pelo Planalto para determinar a Exceção seria a de expulsar os indígenas das terras que reivindicam, em vias de conclusão de processo administrativo de regularização: "Este argumento não é verdadeiro, já que muitos dos ataques contra a população indígena partem de não índios contrários à conclusão do processo administrativo.  Por outro lado, muitos dos pequenos agricultores já afirmaram que apenas aguardam as indenizações para saírem das terras."
No meio desse debate, o uso das forças armadas visa intimidar e despolitizar o problema, trazer para uma esfera autoritária a possibilidade de decisão suprema que se impõe com a garantia da força maior. Nesse processo, inúmeros direitos individuais são ameaçados, principalmente os direitos dos mais vulneráveis.
A literatura sobre o Estado de Exceção é um tanto atual no pensamento critico, principalmente pelas contribuições do filósofo italiano Giorgio Agamben, e da filósofa belga Chantal Mouffe. A discussão remonta ao teórico nazista Carl Schmitt, que produziu uma influente e importante reflexão sobre o tema. Para Schmitt, o estudo da exceção se revela mais interessante do que sobre a própria regra em si. "A regra não prova nada: a exceção prova tudo." É pela exceção que o poder real se mostra como um mecanismo, e se torna a regra pela repetição. O fim seria a ditadura.
Agamben usou a teoria para, além de abrir uma grande janela reflexiva, descrever os tempos de Bush e da guerra civil global. É uma medida que ele situa entre o político e o legal, uma terra sem dono. E, o que é mais grave, alertou, indo muito além da interpretação de Schmitt: "o estado de Exceção tende a se tornar cada vez mais um paradigma dominante de governo na política contemporânea".
O governo federal editou, em dezembro passado, o manual chamado "Garantia da Lei e da Ordem" (Portaria Normativa número 3, do Ministério da Defesa, também conhecida como GLO). O manual foi duramente criticado e sofreu uma revisão, sendo a segunda edição publicada em fevereiro 2014. A regra dispõe sobre o uso das Forças Armadas, de forma excepcional, e portanto, de suspensão da própria ordem, para a "garantia da lei e da ordem", assim como a suspensão de direitos civis, em situações de "não guerra". A exceção é apresentada como uma medida constitucional, citando o artigo 142, com referências vagas a "razoabilidade", "proporcionalidade" e "legalidade". Há países onde o estado de Exceção está previsto na lei, como no Brasil e na França, e onde ele não está previsto em lei.
Para todos os fins, de acordo com a GLO, basta a decisão soberana da Exceção, ou seja, basta a presidenta determinar. A decisão compete exclusivamente ao Presidente da República, em decisão comunicada ao Ministro da Defesa. E não é preciso, como no caso de guerra, ser consultado o Congresso. Nacional
O fato de estar na lei implica algumas regras, o que pode parecer contraditório uma vez que a própria suspensão da regra é determinada pela regra. A "garantia da lei e da ordem", como aplicada agora, é uma revelação da incapacidade do governo em resolver as disputas pelas vias legais, pelos processos administrativos e judiciais, como deveria ocorrer a regularização das terras indígenas.
Essa norma GLO é algo assustadora para os que esperam uma vida longa à democracia. Na primeira versão, de 2013, os inimigos na GLO eram definidos como "forças oponentes", apresentados de forma distinta de um "inimigo militar", que deve ser eliminado. Entre as "forças oponentes" descritas haviam formas políticas de reivindicação coletiva de direitos: "movimentos e organizações". Os Tupinambá, assim como os Tenharim, assim como um grupo de amigos no Facebook, seriam todos organizações e movimentos. Entre as ameaças graves havia, por exemplo, a de "paralisação de atividades produtivas".
A segunda edição, de 2014, feita após os vários protestos da sociedade contra essa Portaria do Ministério da Defesa, retirou as referências às forças oponentes e aos movimentos e organizações. E no que toca às "ameaças", agora lê-se: "A tropa empregada numa Op GLO poderá fazer face a atos ou tentativas potenciais  capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou ameaçar a incolumidade das pessoas e do patrimônio."
Estas expressões genéricas deixam brechas para que tudo seja decido pelo "soberano", dando mais margens ainda para a Exceção e para a força da decisão política em mão militar. Qual a legitimidade de um militar para definir, em operação contra civis, o que é uma tentativa potencial de comprometer a ordem pública, ou uma ameaça a incolumidade de pessoas, no meio de um conflito entre um povo indígena e não indígenas no sul da Bahia?
A referência anterior deixava claro os inimigos e os atos a serem combatidos: as "forças oponentes", os "movimentos e organizações". O poder discricionário agora aumentou e atenta mais gravemente aos direitos humanos. Nesse caso, o risco maior é, como sempre ocorre nos casos de exceção, aos mais vulneráveis, ou sejam, as "minorias".
O país vive um momento de ódio às minorias, que é mobilizado por aqueles que não querem que seus privilégios sejam tocados. Quem são as "minorias" (que podem ser a verdadeira "maioria da população")?
Estas "minorias" que reivindicam direitos são equivalentes ao "tudo o que não presta", segundo definiu o deputado federal ruralista Luis Carlos Heinze, do PP/RS, em vídeo divulgado pela Mobilização Nacional Indígena e com ampla circulação nas redes sociais. "Tudo o que não presta" são os "índios, quilombolas, gays e lésbicas".
Na imprensa, os problemas sociais têm sido "racializados" em textos de articulistas e jornalistas enviados para essas áreas, na busca de "traços" raciais que impliquem em deslegitimar direitos políticos, "traços" raciais que sirvam para desconstruir identidades, traços que são medidos como se fazia na antiga craniologia.
Nesse mesmo sentido racialista foi descrita a viúva de Ivan Tenharim, líder tenharim morto (morte matada ou por acidente, as investigações da Polícia Federal não foram a fundo), por enviado da Folha de S. Paulo para a zona de conflito: "uma mulher miúda com poucos traços indígenas". A descrição racial foi aproveitada, em seguida, por um colunista do mesmo jornal para sustentar não tratarem-se estes entrevistados pelo repórter, com base em suas descrições, de elementos da categoria "índios" – como se a discussão anatômica girasse em torno de alguma espécie não humana.
Os Tupinambá são frequentemente descritos e categorizados, colocados em um mapa de cores, de réguas métricas, para aparecerem como não portadores de "traços indígenas" – de forma a "animalizá-los" (como diria Frantz Fanon em Os Condenados da Terra), e deslegitimar suas reivindicações políticas. Na revista Veja os Tupinambá foram apresentados como "Os novos canibais", que usam cocares de "penas de galinha", são "negros" e "professam o candomblé", "tribo composta de uma maioria de negros e mulatos, mas também tem brancos de cabelos louros".
O uso sistemático da Força Nacional nos trabalhos de estudo da implantação de usinas hidrelétricas dentro do território Munduruku, contra a vontade dos índios e em desrespeito à Constituição e convenções internacionais das quais o país é signatário, mostra que, pelo menos no que toca aos direitos indígenas, o Estado de Exceção é uma violenta realidade cotidiana. Nesse caso, o CIMI trata da "militarização como um instrumento político", e fala do "diálogo com a 'ponta da baioneta' no pescoço dos povos indígenas".
A solução encontrada pelo governo para todos esses problemas de racismo, xenofobia, intolerância, ameaça de genocídio: o Exército, a Força Nacional, a Polícia Federal, a Exceção.
Essa "Exceção" formalmente autorizada na Bahia, a partir da regulamentação recente da Portaria do Ministério da Defesa, e com a iminência da aprovação de uma nova lei "antiterrorismo" feita sob medida para um ano que se anuncia de fortes turbulências políticas, é uma profunda ameaça à democracia. Mais grave: pode se revelar uma nova técnica permanente de governo, como sugere Agamben.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Hidrelétrica Jirau, no rio Madeira, o desastre confirmado



UHE Santo Antônio (ainda em construção) e ao fundo a cidade de Porto Velho
O "X" vermelho é para encobrir a propaganda mentirosa do consórcio que diz "Desenvolvimento sustentável para Rondônia e para o Brasil"

A cidade de Porto Velho, a capital do estado de Rondônia, nunca esteve tão ameaçada pelas cheias do rio Madeira. A barragem de Jirau poderá se romper se não houver um controle do nível do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio.

Resgatando um pouco da história das usinas do Madeira

O Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Rondônia ajuizaram uma Ação Civil Pública (ACP) com pedido liminar contra a mudança de localização da usina de Jirau, no rio Madeira. Isso aconteceu em 25 de agosto de 2008.  A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Consórcio Energia Sustentável do Brasil (Enersus), hoje ESBR, são os réus da ação.


Os autores da petição inicial, o Procurador MPF de Rondônia, Heitor Alves Soares e a Promotora de Justiça do Estado de Rondônia, Aidée Maria Moser Torquato Luiz,
pediram a anulação do Leilão n° 005/2008 e do respectivo contrato de concessão firmado entre a União e o consórcio ESBR. Para o MP o IBAMA não deveria ter concedido a Licença de Instalação que autorizou a construção do empreendimento na nova localização, 9,2 quilômetros rio abaixo, proposta pelos empreendedores.

Essa alteração em Jirau que aconteceu depois da emissão da licença ambiental de localização e depois do leilão, se tornou um precedente em processos de licenciamento de outras hidrelétricas, como no caso perigoso de Belo Monte. O MPF do Pará ajuizou uma ACP questionando as alterações no projeto de Belo Monte realizadas pós-leilão.

Os empreendedores de Jirau, na época, justificaram que as mudanças na localização da usina levariam a uma economia de R$ 1 bilhão, quase 12% do investimento total. Anunciaram a entrega da energia se daria antes da data prevista em contrato. Jirau já está no sexto ano de construção e o consórcio fez funcionar as primeiras turbinas em 2012.

Entre os benefícios prometidos com a alteração do projeto estavam a redução dos impactos ambientais, a redução do volume de escavações, redução dos custos e antecipação da geração. Mas parece que alguma coisa deu muito errado.

A cidade de Porto Velho, a capital do estado de Rondônia, nunca esteve tão ameaçada pelas cheias do rio Madeira. A barragem de Jirau poderá se romper se não houver um controle do nível do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio.

Já no acórdão do TCU, sobre as contas de Jirau, para acompanhar o leilão e outorga de concessão, ficaram patentes algumas inconsistências nos números apresentados pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). As mais gritantes se referiam à necessidade de adequação dos custos indiretos, dos preços dos equipamentos eletromecânicos, seria preciso considerar a questão da linha de transmissão não prevista no orçamento, que terá que levar a energia por 130 quilômetros até a subestação nas proximidades de Porto Velho, falhas de projeto, revisão da vazão no vertedouro e falta do detalhamento do custo global da obra.

Apesar de tudo, independente das recomendações do TCU, Jirau foi licitada. Uma briga entre os desenvolvedores do projeto, Furnas e Odebrecht (que já haviam arrematado o leilão da usina de Santo Antônio) e os vencedores do leilão de Jirau, GDF Suez e Camargo Corrêa, chegou à justiça. Os primeiros com o gosto amargo da derrota pela perda de Jirau, uma surpresa para o setor. Isso inviabilizou os ganhos de escala, planejados por Furnas e Odebrecht, com a construção das duas usinas – Santo Antônio e Jirau.

O investimento total previsto para Jirau permaneceu próximo aos R$ 9 bilhões, mesmo depois que a ESBR anunciou, em 2008, as alterações no projeto. Não só não houve a tal redução de R$ 1 bilhão como foi necessário fazer um aditivo de R$ 900 milhões ao contrato, para complementar os custos com as obras civis.  Atualmente o custo de Jirau ultrapassou em muito os R$ 13 bilhões e o consórcio ESBR se queixou, na época, do aumento no volume das escavações.

Erro de cálculo ou estratégia para obter mais dinheiro do BNDES, nunca se saberá, já que não dá para aferir quanto foi escavado ou qual teria sido a previsão original.

Hoje o desastre não está apenas anunciado, já está confirmado.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Bancada Ruralista, pronta pra guerra



Deputado diz que quilombolas, índios e homossexuais são "tudo o que não presta"



Vídeo gravado em audiência pública com produtores rurais, em Vicente Dutra (RS), registra discursos dos deputados Alceu Moreira (PMDB/RS) e Luís Carlos Heinze (PP/RS), ambos da bancada ruralista, estimulando que agricultores usem de segurança armada para expulsar indígenas do que consideram ser suas terras.