Uma análise dos bastidores do
processo de licenciamento das hidrelétricas planejadas no rio Tapajós.
Por Telma Monteiro
O processo de licenciamento da
hidrelétrica (UHE) São Luiz do Tapajós começou no Ibama, em 25 de maio de 2009.
Nesse dia, o diretor de Licenciamento Ambiental, Sebastião Custódio Pires,
requisitou a abertura do processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós,
no rio Tapajós, a pedido da Eletrobrás. Nesse mesmo mês foi emitido o Termo de
Referência (TR) para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e
respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).
O projeto da UHE São Luiz do Tapajós
foi planejado para operar a fio d’água, no médio Tapajós, na porção oeste do
Pará. A ficha de abertura do licenciamento diz que o reservatório terá 722,25
quilômetros quadrados e ocupará parcialmente os municípios de Itaituba e
Trairão. Os cálculos são grandiosos para barrar o indomável rio Tapajós.
Exemplo disso é a extensão da barragem, prevista para ter 6.900 metros e 17
comportas que permitirão o escoamento de 60 mil metros cúbicos de água por
segundo. Esse é um dos piores projetos hidrelétricos idealizados pelo governo
federal.
É tão ruim, que apostou na ignorância
dos leigos em matéria de projetos hidrelétricos, principalmente nos rios
amazônicos. Corredeiras e cachoeiras do trecho de São Luiz do Tapajós podem
desaparecer com a vazão reduzida inventada pela Eletrobrás.
Quando o projeto foi proposto, ainda
não se falava em “usina plataforma” eufemismo só inventado como cortina de
fumaça para disfarçar a monstruosidade planejada. Os brados em defesa do rio
Tapajós e seus povos ecoou pela Amazônia com a rapidez de um raio. O Ministério
de Minas e Energia, então, resolveu criar e com isso deu vida a um conceito –
usina plataforma - que é um desafio à inteligência dos comuns dos mortais.
Para gerar 6.133 MW estão previstas
duas casas de força e 33 turbinas tipo bulbo. As mesmas que estão sendo
testadas no rio Madeira, nas usinas Santo Antônio e Jirau, e que podem estar
causando aquela catástrofe. É nesse trecho do rio que está situada a comunidade
Pimental e onde se encontram as famosas corredeiras e cachoeiras. Para alimentar
a casa de força principal, na margem direita, a jusante (depois, rio abaixo)
das cachoeiras, foi planejado um canal de desvio das águas, com cerca de 10
quilômetros. As águas do tapajós que embelezam as corredeiras e cachoeiras
serão reduzidas. Quem não ouviu o caso do desvio das águas do rio Xingu, no
trecho da Volta Grande do Xingu, para alimentar a casa de força principal de
Belo Monte? Ou outro desvio de águas do salto de Dardanelos, no rio Aripuanã,
para o mesmo fim?
A Volta Grande do Xingu vai
praticamente secar e o salto de Dardanelos perdeu sua majestade. O projeto de
desviar as águas das corredeiras de São Luiz do Tapajós ainda é uma incógnita.
Apesar do processo de licenciamento ter iniciado, a Eletronorte não definiu
quantos metros cúbicos serão necessários desviar das águas do rio Tapajós que
passam pelas cachoeiras, para alimentar a casa de força principal. No entanto,
a Eletronorte tem o cálculo do número de turbinas necessárias para gerar os
6.133 MW.
Em setembro de 2009, o Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) identificou que todos os
projetos hidrelétricos que constam nos Estudos de Inventário dos rios Tapajós e
Jamanxim - UHEs São Luiz do Tapajós, Jatobá, Jamanxim, Cachoeira dos Patos e
Cachoeira do Caí - previam que os respectivos reservatórios inundariam
áreas dentro dos limites de Unidades de Conservação de Proteção Integral.
O ICMBIO, então manifestou-se contrário à abertura do processo de
licenciamento, sob pena de infringir a lei.
Diante da explícita discordância do
ICMBIO, o diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Sebastião Custódio
Pires, não teve outra alternativa senão a de não emitir o TR que orientaria os
estudos ambientais das usinas do Tapajós. Até então, a abertura dos processos
das cinco usinas já tinha sido solicitada e tudo indicava que a estratégia do
governo era conseguir um TR único.
Apenas em maio de 2010 a Eletrobrás
solicitou a retomada do processo de licenciamento de todas as usinas,
respaldada no Decreto n° 7.154 de 09 de abril de 2010, assinado pelo então
presidente Lula. O tal decreto, nitidamente, parecia “encomendado” para se
“encaixar” na situação do licenciamento das usinas do Tapajós. O Ministério do
Meio Ambiente (MMA) encaminhou a solicitação ao ICMBIO baseado em “um fato
legal novo”.
Decreto 7.154 de 9
de abril de 2010
Publicado no DOU de
12 de abril de 2010
Sistematiza e
regulamenta a atuação de órgãos públicos federais, estabelecendo procedimentos
a serem observados para autorizar e realizar estudos de aproveitamentos de
potenciais de energia hidráulica e sistemas de transmissão e distribuição de
energia elétrica no interior de unidades de conservação bem como para autorizar
a instalação de sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica em
unidades de conservação de uso sustentável.
Brasília, 9 de
abril de 2010; 189° da Independência e 122° da República.
LUIZ INÁCIO DA LULA
DA SILVA
Márcio Pereira Zimmermann
Paulo Bernardo Silva
Izabella Mônica Vieira Teixeira
Márcio Pereira Zimmermann
Paulo Bernardo Silva
Izabella Mônica Vieira Teixeira
O ICMBIO, no entanto, não aceitou a
interpretação dada ao Decreto pela Eletrobras. Na verdade, ele não autorizava
os órgãos ambientais a concederem o licenciamento ambiental de usinas em
unidades de conservação, apenas regulamentava os estudos de aproveitamento de
potenciais de energia em áreas protegidas. Em março de 2011, os processos das
cinco hidrelétricas foram oficialmente encerrados.
Depois desse episódio, governo
federal, Ministério de Minas e Energia (MME) e Eletrobras, precisaram de um bom
tempo para armar outra estratégia para viabilizar os projetos do Tapajós. A
grande ideia viria somente em 2012, com a Medida Provisória (MP) n° 558,
assinada por Dilma Rousseff.
A escandalosa MP publicada no Diário
Oficial da União (DOU), em 06 de janeiro de 2012, pegou a sociedade de
surpresa. Dilma Rousseff simplesmente alterou as configurações das UCs federais
para fazer “caber” os reservatórios dos projetos hidrelétricos do Tapajós.
Dilma Rousseff ficará na história como a presidente que mudou o destino do rio
Tapajós, da biodiversidade da região, das suas comunidades tradicionais e dos
seus povos indígenas.
Não foi preciso esperar muito. Na
semana seguinte, em 11 de janeiro, a Eletrobras entrou com o pedido de nova
abertura do processo de licenciamento, desta vez, apenas para a UHE São Luiz do
Tapajós. Anexou, também, uma minuta do TR de sua autoria, numa tentativa de
definir o EIA/RIMA como melhor lhe convinha. Tem início aí um verdadeiro
“licenciamento express”.
Continua na Parte 2, com as
alterações do Termo de Referência, as manifestações dos Munduruku, o
posicionamento do Ibama, os conflitos na comunidade Pimental.