sexta-feira, 28 de março de 2014

O escândalo do licenciamento ambiental das hidrelétricas no rio Tapajós – Parte 1


Uma análise dos bastidores do processo de licenciamento das hidrelétricas planejadas no rio Tapajós.

Por Telma Monteiro


O processo de licenciamento da hidrelétrica (UHE) São Luiz do Tapajós começou no Ibama, em 25 de maio de 2009. Nesse dia, o diretor de Licenciamento Ambiental, Sebastião Custódio Pires, requisitou a abertura do processo de licenciamento da UHE São Luiz do Tapajós, no rio Tapajós, a pedido da Eletrobrás. Nesse mesmo mês foi emitido o Termo de Referência (TR) para elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).

O projeto da UHE São Luiz do Tapajós foi planejado para operar a fio d’água, no médio Tapajós, na porção oeste do Pará. A ficha de abertura do licenciamento diz que o reservatório terá 722,25 quilômetros quadrados e ocupará parcialmente os municípios de Itaituba e Trairão. Os cálculos são grandiosos para barrar o indomável rio Tapajós. Exemplo disso é a extensão da barragem, prevista para ter 6.900 metros e 17 comportas que permitirão o escoamento de 60 mil metros cúbicos de água por segundo. Esse é um dos piores projetos hidrelétricos idealizados pelo governo federal.

É tão ruim, que apostou na ignorância dos leigos em matéria de projetos hidrelétricos, principalmente nos rios amazônicos. Corredeiras e cachoeiras do trecho de São Luiz do Tapajós podem desaparecer com a vazão reduzida inventada pela Eletrobrás.

Quando o projeto foi proposto, ainda não se falava em “usina plataforma” eufemismo só inventado como cortina de fumaça para disfarçar a monstruosidade planejada. Os brados em defesa do rio Tapajós e seus povos ecoou pela Amazônia com a rapidez de um raio. O Ministério de Minas e Energia, então, resolveu criar e com isso deu vida a um conceito – usina plataforma - que é um desafio à inteligência dos comuns dos mortais.

Para gerar 6.133 MW estão previstas duas casas de força e 33 turbinas tipo bulbo. As mesmas que estão sendo testadas no rio Madeira, nas usinas Santo Antônio e Jirau, e que podem estar causando aquela catástrofe. É nesse trecho do rio que está situada a comunidade Pimental e onde se encontram as famosas corredeiras e cachoeiras. Para alimentar a casa de força principal, na margem direita, a jusante (depois, rio abaixo) das cachoeiras, foi planejado um canal de desvio das águas, com cerca de 10 quilômetros. As águas do tapajós que embelezam as corredeiras e cachoeiras serão reduzidas. Quem não ouviu o caso do desvio das águas do rio Xingu, no trecho da Volta Grande do Xingu, para alimentar a casa de força principal de Belo Monte? Ou outro desvio de águas do salto de Dardanelos, no rio Aripuanã, para o mesmo fim?
A Volta Grande do Xingu vai praticamente secar e o salto de Dardanelos perdeu sua majestade. O projeto de desviar as águas das corredeiras de São Luiz do Tapajós ainda é uma incógnita. Apesar do processo de licenciamento ter iniciado, a Eletronorte não definiu quantos metros cúbicos serão necessários desviar das águas do rio Tapajós que passam pelas cachoeiras, para alimentar a casa de força principal. No entanto, a Eletronorte tem o cálculo do número de turbinas necessárias para gerar os 6.133 MW.

Em setembro de 2009, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) identificou que todos os projetos hidrelétricos que constam nos Estudos de Inventário dos rios Tapajós e Jamanxim - UHEs São Luiz do Tapajós, Jatobá, Jamanxim, Cachoeira dos Patos e Cachoeira do Caí -  previam que os respectivos reservatórios inundariam áreas dentro dos limites de Unidades de Conservação de Proteção Integral.  O ICMBIO, então manifestou-se contrário à abertura do processo de licenciamento, sob pena de infringir a lei.

Diante da explícita discordância do ICMBIO, o diretor de licenciamento ambiental do Ibama, Sebastião Custódio Pires, não teve outra alternativa senão a de não emitir o TR que orientaria os estudos ambientais das usinas do Tapajós. Até então, a abertura dos processos das cinco usinas já tinha sido solicitada e tudo indicava que a estratégia do governo era conseguir um TR único.

Apenas em maio de 2010 a Eletrobrás solicitou a retomada do processo de licenciamento de todas as usinas, respaldada no Decreto n° 7.154 de 09 de abril de 2010, assinado pelo então presidente Lula. O tal decreto, nitidamente, parecia “encomendado” para se “encaixar” na situação do licenciamento das usinas do Tapajós. O Ministério do Meio Ambiente (MMA) encaminhou a solicitação ao ICMBIO baseado em “um fato legal novo”.  

Decreto 7.154 de 9 de abril de 2010

Publicado no DOU de 12 de abril de 2010
Sistematiza e regulamenta a atuação de órgãos públicos federais, estabelecendo procedimentos a serem observados para autorizar e realizar estudos de aproveitamentos de potenciais de energia hidráulica e sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica no interior de unidades de conservação bem como para autorizar a instalação de sistemas de transmissão e distribuição de energia elétrica em unidades de conservação de uso sustentável. 
Brasília, 9 de abril de 2010; 189° da Independência e 122° da República. 

LUIZ INÁCIO DA LULA DA SILVA
Márcio Pereira Zimmermann
Paulo Bernardo Silva
Izabella Mônica Vieira Teixeira

O ICMBIO, no entanto, não aceitou a interpretação dada ao Decreto pela Eletrobras. Na verdade, ele não autorizava os órgãos ambientais a concederem o licenciamento ambiental de usinas em unidades de conservação, apenas regulamentava os estudos de aproveitamento de potenciais de energia em áreas protegidas. Em março de 2011, os processos das cinco hidrelétricas foram oficialmente encerrados.

Depois desse episódio, governo federal, Ministério de Minas e Energia (MME) e Eletrobras, precisaram de um bom tempo para armar outra estratégia para viabilizar os projetos do Tapajós. A grande ideia viria somente em 2012, com a Medida Provisória (MP) n° 558, assinada por Dilma Rousseff.

A escandalosa MP publicada no Diário Oficial da União (DOU), em 06 de janeiro de 2012, pegou a sociedade de surpresa. Dilma Rousseff simplesmente alterou as configurações das UCs federais para fazer “caber” os reservatórios dos projetos hidrelétricos do Tapajós. Dilma Rousseff ficará na história como a presidente que mudou o destino do rio Tapajós, da biodiversidade da região, das suas comunidades tradicionais e dos seus povos indígenas.
Não foi preciso esperar muito. Na semana seguinte, em 11 de janeiro, a Eletrobras entrou com o pedido de nova abertura do processo de licenciamento, desta vez, apenas para a UHE São Luiz do Tapajós. Anexou, também, uma minuta do TR de sua autoria, numa tentativa de definir o EIA/RIMA como melhor lhe convinha. Tem início aí um verdadeiro “licenciamento express”.


Continua na Parte 2, com as alterações do Termo de Referência, as manifestações dos Munduruku, o posicionamento do Ibama, os conflitos na comunidade Pimental. 

segunda-feira, 24 de março de 2014

Ribeirinhos entregam carta denúncia ao Ministério Público Federal


O chamado “Complexo Hidrelétrico Tapajós” prevê a construção de sete usinas ao longo dos dois rios.

22/03/2014

Revoltados com o possível início das obras de construção da Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, no Município de Itaituba, Oeste do Pará, moradores de comunidades tradicionais e indígenas voltaram a pedir providências junto ao Ministério Público Federal (MPF). Para resistir e denunciar a situação vivida na região, comunidades tradicionais e indígenas, movimentos sociais, sindicatos e entidades se reuniram em Itaituba, às vésperas do Dia Internacional de Luta contra as Barragens, celebrado em 14 de março.
Como resultado do encontro, na última segunda-feira, 17, as organizações entregaram uma carta denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) em Santarém. Entre as reivindicações está a realização de consulta prévia, livre e informada, prevista na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mas não aplicada no contexto de construção das barragens.
As águas dos rios Tapajós e Jamanxim estão na mira de projetos hidrelétricos do governo federal e de grandes empresas. O chamado “Complexo Hidrelétrico Tapajós” prevê a construção de sete usinas ao longo dos dois rios, no Oeste do Pará, o que para a Organização Não-Governamental (ONG) Terra de Direito, deve impactar diretamente 32 comunidades tradicionais, entre quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, extrativistas e cerca de dois mil quilômetros de território indígena, principalmente da etnia Munduruku.
Para iniciar o processo de participação, a carta solicita uma audiência pública aberta a toda população da região, com a presença de representantes dos governos municipal, estadual e federal, ainda neste semestre, em Itaituba. O anseio das comunidades e organizações é de que não se repitam as inúmeras violações de direitos humanos em curso na construção das usinas de Belo Monte do Rio Madeira.

Veja a carta na íntegra:

“Itaituba, 13 de março de 2014
Ao Ministério Público Federal – Estado do Pará

Nós movimentos sociais, sindicatos e organizações abaixo assinados, reunidos em decorrência do Dia Internacional de Luta contra as Barragens, celebrado no dia 14 de março, vimos, por meio deste documento, denunciar, as violações de direitos humanos que estão ocorrendo na região em decorrência do projeto de “desenvolvimento”, que está sendo implantado pelo Estado brasileiro e empresas multinacionais. Para essa região, rica em recursos naturais, estão em curso projetos que violam os direitos humanos das populações locais, como hidrelétricas, construção de portos para a consolidação do agronegócio e mineração.
Muitas dessas violações já estão sendo sentidas na pele pelas comunidades mais próximas a esses empreendimentos e no município de Itaituba, sem sequer termos sido consultados sobre a implementação desses empreendimentos. Assim, denunciamos:
A ofensa aos princípios democráticos e ao direito humano à informação e participação, à medida que esses projetos estão em curso sem qualquer diálogo participativo do Estado Brasileiro com as comunidades da região; A violação do direito humano ao meio ambiente equilibrado e à proteção da biodiversidade com a redução das unidades de conservação; A violação do direito de Consulta Prévia, Livre e Informada dos povos indígenas e comunidades tradicionais; Violação do direito ao território, pois muitas empresas entram em nossas comunidades sem o consentimento dos moradores; O agravamento dos conflitos internos e do conviver pacifico nas comunidades a partir da entrada de pessoas contratadas por empresas responsáveis pela implantação dos projetos; de um lado a omissão do Estado Brasileiro que, embora tenha ciência do que vem ocorrendo em nossa região, não nos dá voz, e por outro lado, a truculência com que age para cumprir cronograma de execução dos projetos, se utilizando da Força Nacional de Operações espaciais para inibir e amedrontar o povo da nossa região.
Diante disso, e por temermos e não querermos que aconteça na região oeste do Pará o que vem ocorrendo na usina de Belo Monte e usinas do Rio Madeira, pedimos ao Ministério Público Federal que denuncie as violações de direitos humanos que já estão ocorrendo na região e exigimos do Estado Brasileiro o direito de sermos ouvidos e respeitados, exigimos o direito à consulta livre prévia e informada.
Nesse sentido, nós, movimentos sociais, sindicatos e organizações abaixo assinados solicitamos uma audiência pública em conjunto com o Ministério Público Federal com a participação de toda população da região e com a presença dos governos Municipal, Estadual e Federal”.

terça-feira, 18 de março de 2014

Vozes do Tapajós


Em parceria com a FASE Amazônia, FAOR lança no Simpósio sobre Mineração em Energia em terras e rios de povos originários (UNB 17 e 18 de março de 2014) vídeo Vozes do Tapajós.

Esse vídeo foi feito em uma oficina com a juventude de Belterra e Santarém, na comunidade de Pajuçara.


Boa sessão!



As hidrelétricas, a nova cheia histórica do rio Madeira e as tergiversações de Dilma


por Luiz Fernando Novoa Garzon*
18 de março 2014


A presidente Dilma Rousseff promoveu uma viagem relâmpago a Porto Velho e Rio Branco, no dia 15 de março, para verificar in loco o resultado da maior cheia já observada nessa porção da Amazônia – entre Rondônia, Acre e o noroeste boliviano. A verificação poderia ter se traduzido em algo mais do que as migalhas emergenciais de praxe, liberadas em casos de “calamidade pública”. Poderia ter sido um início de averiguação e avaliação conscienciosa dos danos sociais e ambientais adicionais, para além dos chamados “danos naturais”. Danos adicionados a outros tantos pré-existentes, produzidos por intervenções predatórias e imprevidentes, como foram as implantações das usinas de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira.

A presidente não precisaria fazer tal sobrevoo para anunciar medidas mitigatórias-padrão. Motivações da campanha eleitoral pela reeleição? Talvez. Mas convenhamos que o público-alvo em questão não são os diminutos eleitorados dos dois estados. Dilma veio em defesa de sua preciosa relação com o setor elétrico que embalou sua carreira política. Veio reafirmar que as concessões no setor de infraestrutura são incondicionadas – e por isso muito rentáveis para os investidores. Veio advogar, com túnica presidencial, a causa dos consórcios que detêm a concessão para aproveitamento energético do rio Madeira: “É um absurdo atribuir às duas hidrelétricas a quantidade de água que vem pelo rio”, afirmou a zelosa Dilma. Absurda é a própria alegação de que alguém possa atribuir tal dom às hidrelétricas.

Não há registro de qualquer afirmação de que as hidrelétricas multipliquem água. Se tal milagre fosse possível, os reservatórios do centro-sul não estariam em tão baixo nível. É preciso não escamotear: o problema nunca foi a água que vem pelo rio, mas a que ficou no meio do caminho por conta de dois reservatórios concebidos e operados sem estudos hidro-sedimentológicos suficientes e que abrangessem a bacia do rio Madeira.

A presidente procurou ser didática na vitimização dos investidores privados, que primeiro se empenharam na cruzada, vinculada ao PAC, de expandir em marcha forçada a fronteira elétrica para toda a Amazônia. “E eu até uso a fábula do lobo e do cordeiro. O lobo na parte de cima do rio diz ao cordeiro: 'você está sujando minha água'. O cordeiro respondeu: 'não estou, não. Eu estou abaixo de você no rio'”. Odebrecht e Suez, controladoras respectivas das concessionárias de UHE de Santo Antônio e Jirau, seriam o cordeiro? Quem seria então o lobo nessa fabulação? A natureza em si mesma, inexorável e imprevisível?

Se assim fosse, tais hidrelétricas nem poderiam ter sido construídas, ou nem poderiam mais operar, pois foram planejadas para fazer uso controlado da vazão hídrica, ou seja, da “água que desce”. Dilma tergiversa e diz que agora “vamos trabalhar para que não sejamos mais pegos de surpresa em situações como essa que aconteceu em Rondônia”. Mas se todos “fomos pegos de surpresa”, foram pegos em primeiro lugar os dois consórcios, o IBAMA, a Agência Nacional de Águas e a Agência Nacional de Energia Elétrica, justamente aqueles que atestavam plena viabilidade do empreendimento e juravam deter todos os dados relevantes para o monitoramento do fluxo e do volume de água que “entra no Madeira”.

Se, como diz a presidente, “não podemos evitar desastres naturais, mas temos como amenizar os danos causados por eles”, a responsabilidade primeira pela amenização desses danos – antes, durante e depois do desastre – deveria ser dos consórcios e dos órgãos licenciadores e de outorga. Segue em contradição consigo mesma a presidente: “basta lembrar o exemplo de várias cidades nos Estados Unidos, onde existe um período de inverno denso, mas após esse período a agricultura e as condições estruturais da cidade são rapidamente normalizadas, isso vem do planejamento e monitoramento”.

Exatamente o que não veio, o que não foi cobrado e fiscalizado. Planejamento e monitoramento que agora precisam ser efetivados ao custo da suspensão da licença de operação, conforme o acertado entendimento do Ministério Público e da Justiça Federal, em primeira instância, que obriga os consórcios a assumirem a responsabilidade pelos danos a montante, além de refazerem os estudos de impacto em função da nova vazão máxima atingida.

O que deveria ter sido condição prévia (provar a capacidade do empreendimento de se adaptar à dinâmica do rio e da bacia) tornou-se uma interpelação judicial – que vem sendo soberbamente ignorada pelas empresas concessionárias. Assim como obtiveram suas licenças ambientais à revelia dos embargos técnicos e dos conflitos sociais de 2007 até hoje, a Santo Antônio Energia (SAE) e a Energia Sustentável do Brasil (ESBR) acreditam apenas na lei do lobo e no seu direito de devorar o cordeiro, de apossar-se do rio e de determinar unilateralmente seu uso. Acreditam também no direito de inviabilizar o modo de vida das comunidades ribeirinhas, de interromper o ciclo de reprodução e migração dos peixes e do agroextrativismo de várzea. Além disso, converteram a cidade de Porto Velho, capital do estado, primeiro em um apêndice dos seus canteiros de obras e depois em um campo de testes da incidência da vazão a jusante, o que redundou no desbarrancamento de toda sua orla e na condenação de seu patrimônio histórico mais conhecido, a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré.

Em dezembro de 2013, já era possível identificar acúmulo de precipitações na região dos formadores do Madeira. Em janeiro de 2014, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) já descreviam o fenômeno chamado “Alta da Bolívia” que, associado à zona de convergência intertropical e ao bloqueio proporcionado por uma extensa massa de ar quente e seca posicionada no centro- sul, estava produzindo níveis de precipitação acima da média nos Departamentos de Beni (Bolívia) e Madre de Dios (Peru).

Enquanto isso, a SAE e a ESBR, obcecadas com a maximização do aproveitamento energético e motorização das usinas, atracavam-se em torno de novas cotas máximas para seus reservatórios. Até o desligamento das turbinas, determinado pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e atestado no dia 24 de fevereiro, a usina de Santo Antônio operava acima da cota autorizada de 70,5m (71,3 m segundo a CPRM, ou 75m, conforme sua “parceira” de empreendimento, a ESBR), passando a operar desde então com uma cota de 68m. Os dois reservatórios retiveram água porque planejaram maximizar sua operação no período da cheia, indiferentes e cegos ao fenômeno climático e hídrico que se instaurava nas cabeceiras. Consumado o desastre, restou-lhes despejar a água excedente para salvar suas instalações.

Novos estudos, se promovidos com distanciamento mínimo dos interesses imediatistas das empresas concessionárias, poderão provar que as usinas funcionaram como uma bomba de retardo e contenção de água a montante, “afogando” igarapés, furos e rios acima, território boliviano adentro. Poderão provar também que a subida das águas a jusante, a partir da última semana de fevereiro, se deu de forma muito acelerada e em defasagem com o fluxo concomitante verificável em Abunã, a montante de Jirau.

Em suma, diante da nova e “surpreendente” cheia histórica, as usinas se mostraram ineptas para controlar ou sequer acompanhar a variabilidade da vazão hídrica e de sedimentos do rio Madeira. Primeiro super-armazenaram, depois passaram a liberar grandes “bolsões” d’água com efeitos fatais para comunidades ribeirinhas centenárias como São Carlos, Calama e Nazaré, que tiveram suas casas não apenas alagadas, mas arrancadas pela correnteza amplificada pela abertura não programada dos vertedouros das usinas.

A presidente certamente entende que o funcionamento de usinas a fio d’água na Amazônia deveria pressupor conhecimento meticuloso e detalhado da variação da vazão e do nível dos rios formadores e em formação. Como também sabe que esse conhecimento e essa capacidade operacional não existem – por causa da flexibilização do licenciamento ambiental que ela mesma promoveu enquanto ministra de Minas e Energia e depois como presidente –, ela tergiversa.

As usinas são responsáveis não pela cheia do Madeira, com as quais os povos e comunidades da região sempre souberam lidar até a construção das usinas, mas pelos seus efeitos amplificados e direcionados justamente para os segmentos populacionais que já se encontravam mais fragilizados por conta dos impactos cumulativos de sua implantação.


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*Luis Fernando Novoa Garzon é professor da Universidade Federal de Rondônia e pesquisador do ETTERN/IPPUR-UFRJ.

sexta-feira, 14 de março de 2014





Por Telma Monteiro*

A“oferta” foi feita por um diretor de Meio Ambiente de uma empreiteira, em 20 de janeiro de 2009, durante uma reunião em Porto Velho (RO):  “Serão R$ 60 milhões à disposição das organizações não governamentais”. O dinheiro, segundo ele, seria referente à compensação ambiental da usina Santo Antônio, no Rio Madeira, que poderia ir diretamente para as ONGs. A lei determina o recolhimento, pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), da compensação ambiental de até 0,5% sobre o custo das obras físicas de empreendimentos. O consórcio, informou o diretor, estava negociando com o MMA a ideia de destinar o recurso para projetos com ONGs e associações da região. Claro que, com isso, pretendia-se reduzir as resistências que o empreendimento provocava.
Estou expondo apenas um exemplo dos inúmeros artifícios usados e que ilustram a necessidade visceral do governo Lula e das empresas Furnas e Odebrecht de construir duas mega-hidrelétricas no Madeira, o maior afluente do Rio Amazonas. As usinas Santo Antônio e Jirau foram impostas à sociedade e viabilizadas com tantas irregularidades, ilegalidades, escamoteamento de informações, desinformações e subterfúgios que o resultado catastrófico acabou por ficar visível muito antes do que se previa.
Creio que não há mais dúvidas, hoje, de que a hecatombe que acontece em Rondônia, Acre e Bolívia tem, sim, relação com a construção das hidrelétricas no rio Madeira. Basta consultar a história do processo de licenciamento das usinas no Ibama ou as mais de 20 ações civis públicas ajuizadas pelos Ministérios Públicos Federal e do Estado de Rondônia e por organizações não governamentais, para constatar que tudo estava previsto.
Nesta semana uma nova ação ajuizada por instituições de RO obteve a liminar que obriga os consórcios ESBR de Jirau e SAE de Santo Antônio a indenizar as vítimas da enchente e a refazer os estudos ambientais. A Justiça Federal, portanto, confirmou a responsabilidade das usinas e do Ibama no agravamento dos impactos da cheia do rio Madeira em Rondônia e no Acre.
A opção pelas turbinas tipo bulbo foi a justificativa principal para que a licença prévia das duas hidrelétricas fosse concedida. O argumento de que com elas o reservatório seria menor e com isso os impactos ambientais reduzidos, foi uma falácia. A única pessoa com poder para acatar o parecer dos técnicos do Ibama, sobre a inviabilidade ambiental das usinas e a extensão dos impactos não dimensionados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), era a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Mas ela se rendeu às pressões. Aceitou como verdade que as turbinas resolveriam as questões ambientais e tapou olhos e ouvidos para o que diziam os experts da sociedade.
Prova disso é o último parágrafo da conclusão dos técnicos do Ibama, no famoso parecer 014/2007, de 21 de março de 2007, que tem que ser lembrado, enquadrado e estampado em jornais, portais e revistas. É apenas um parágrafo de oito linhas (no original), mas que traduz, em toda a sua amplitude e consequências, os impactos que estão acontecendo agora com a cheia histórica do Rio Madeira. Vejamos:
“Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos como ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto no território nacional como em territórios transfronteiriços [Bolívia], incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Prévia.”
Não é preciso dizer que depois desse parecer alguma coisa de muito grave aconteceu, pois as fatídicas usinas estão aí. E os problemas apontados no parecer se materializaram. O que mudou no processo que fez com que a licença fosse concedida apenas três meses depois e sem o novo EIA/RIMA recomendado? Foi a alteração nos projetos? Foi a revisão dos impactos? Foi a mudança da equipe técnica? Nada disso.
Os problemas apontados no parecer eram de tal gravidade, veja-se as consequências hoje, que foi necessária a recomendação de um novo Estudo de Impacto Ambiental, pois a fase de complementações já se esgotara em 2006.  Ou seja, tecnicamente, deveria haver um novo processo de licenciamento, com outro EIA/RIMA.
Será que mostrar tudo o que foi tramado de sórdido desde o início da campanha do governo Lula para impor as usinas hidrelétricas do Rio Madeira poderá ajudar agora os desabrigados de Rondônia, Acre e Bolívia? Poderá ajudar a recompor as perdas de pequenos comerciantes, agricultores, trabalhadores? Poderá trazer de volta as 100 mil cabeças de gado perdidas nas águas que invadiram a Bolívia? Poderá reverter os casos de doenças que virão depois que a enchente baixar? Poderá recuperar a qualidade das águas, agora contaminadas por lixo e esgoto? Poderá fazer com que os alunos recuperem as aulas perdidas nesse período? Poderá pagar o prejuízo causado pelo isolamento do Acre?
Porque o que levou a isso, na verdade, foi a concepção de dois projetos hidrelétricos eivados de falhas técnicas, que subestimou o Rio Madeira, que desconsiderou a bacia hidrográfica como um todo e a influência das mudanças climáticas no seu regime de cheias no Brasil e no país vizinho, a Bolívia. Junte-se a isso a minimização dos impactos, a falta proposital de exatidão nas informações. Tudo junto só poderia trazer o resultado que estamos assistindo na região há mais de um mês.
É preciso dar um “cala boca” definitivo nesses representantes atuais dos dois consórcios, autoridades do MME e do Ibama, que vêm a público para dar explicações técnicas indecifráveis para a sociedade leiga, tentando convencer que o agravamento da enchente em Rondônia, Acre e Bolívia não é consequência das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau. O jargão utilizado por esses “próceres” do setor elétrico lobista não nos convence mais, pois a verdade está estampada nas imagens e nas vozes da população afetada.
Há disponíveis dezenas de relatórios e documentos produzidos por especialistas brasileiros e bolivianos, por pesquisadores de renome, doutores, cientistas, engenheiros internacionais, que alertaram, desde o início, sobre os impactos, esses mesmos que estão aí e outros que ainda virão, que as duas hidrelétricas produziriam. Caso isso não baste, no primeiro Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica (EVTE) das usinas, patrocinado por Furnas e Odebrecht, os técnicos apontaram os problemas dos impactos dos efeitos de remanso tanto no Brasil como na Bolívia e alertaram para o nível de assoreamento do reservatório, entre outros.
Os efeitos de remanso já foram descritos por vários especialistas em relação às usinas do Madeira. A explicação é que, apesar da cota máxima prevista no projeto, o nível do rio poderá subir mais do que isso a montante (acima), em situação de eventos extremos, e a água vai se espalhar pela planície sulcada por igarapés e pequenos rios, antes de chegar à barragem. É isso que está acontecendo ao longo do Rio Madeira, desde a Bolívia.
Outro problema que pode agravar a situação, no futuro, é o aporte de sedimentos do rio Madeira. O Ministério de Minas e Energia (MME) chegou a contratar um especialista internacional para dar um parecer sobre os sedimentos das águas do Madeira. A interpretação divulgada do parecer, não só minimizou o problema, como ainda desconsiderou os alertas do consultor e a sugestão de um arranjo mais eficiente e mais barato para Santo Antônio.
Infelizmente, listar aqui todos os problemas descritos no processo e que podem afetar duramente as populações das áreas de influência das hidrelétricas Santo Antônio e Jirau, exigiria um espaço de um livro em vários volumes. Já temos amostras demais, como os efeitos das águas dos vertedouros de Santo Antônio que estão “comendo” a margem direita e já desalojaram dezenas de famílias do bairro Triângulo, em Porto Velho. Seria esse mais um efeito da mudança não aprovada do layout das estruturas da usina de Santo Antônio?
O reverso da medalha está aí. As usinas do Madeira foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos a beira do apagão se elas não fossem construídas. Hoje, quase concluídas e com muitas turbinas em operação, elas não estão servindo para gerar energia.  As turbinas de Santo Antônio foram desligadas por ordem do Operador Nacional do Sistema (ONS) devido à cheia. As linhas de transmissão de 2.450 quilômetros não estão transportando nenhum Mwh. E a previsão é que as cheias da bacia do Rio Madeira devem avançar para todo o mês de março.
Na mesma toada vão as obras de Jirau, com algumas poucas turbinas em operação, com custos que já dobraram. Subsidiados pelo BNDES dos governos de Lula e Dilma Rousseff, estão ameaçadas de colapso pela enchente histórica. Do outro lado da fronteira, as autoridades bolivianas alegam que tinham a garantia das autoridades brasileiras de que as usinas não afetariam seu território. Balela. Tanto os bolivianos como os brasileiros sabiam direitinho que a Bolívia sofreria com as hidrelétricas. Até os estudos de viabilidade confirmavam isso. Estudos que os próprios empreendedores fizeram e que a Aneel aceitou.
Em 11 de março de 2009, fui convidada para uma reunião num hotel em Brasília, com o staff do governo boliviano que estava preocupado com os efeitos negativos da usinas em seu território. O grupo estava no Brasil para assinar um acordo proposto pelo governo brasileiro ao governo boliviano, que dizia respeito às hidrelétricas. Os participantes não estavam satisfeitos com a minuta do acordo e fui convidada para esclarecer alguns pontos sobre os impactos ambientais e sociais das usinas.
A minuta do acordo não refletia o entendimento técnico havido entre a Bolívia e o Brasil em uma reunião em La Paz, em 2008. Os bolivianos não estavam dispostos a assinar o acordo, pois tinham tido notícias do grave episódio da mortandade de toneladas de peixes em época do defeso (quando sobem até a cabeceira para a desova e reprodução), durante a construção das ensecadeiras da usina de Santo Antônio.  Queriam detalhes sobre se isso poderia vir a afetar futuramente a atividade pesqueira dos ribeirinhos bolivianos. Eu havia escrito um artigo alertando para o desastre; partiu daí, então, o interesse deles por mim e o convite.
Em contrapartida, o governo brasileiro estava interessado em construir mais duas hidrelétricas no Rio Madeira – Cachoeira Esperança, na divisa com a Bolívia e El Bala, no rio Beni. Prometeu aos bolivianos que manteria um monitoramento permanente da qualidade da água e dos sedimentos a jusante, para prevenir possíveis impactos em seu território. Os bolivianos também informaram que a proposta do Brasil era bancar a construção das hidrelétricas e comprar toda a energia produzida por elas.
Nada melhor para calar uns e outros, que promessas de dinheiro e mega obras para políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos que consomem muito concreto e aço e que precisam remover milhares de metros cúbicos de rochas. Na época, as duas hidrelétricas foram acertadas, e então ficou o dito pelo não dito. Os impactos das usinas do Madeira em terras bolivianas ficaram em segundo plano.
No Brasil, para conceber e construir projetos como os do Rio Madeira ou Belo Monte, não é preciso ter conhecimento técnico apenas, tem que saber enganar bem, fornecer dados inconsistentes. Saber manipular informações, números, valores, desconstruir laudos de especialistas internacionais, estatísticas, convencer autoridades e, principalmente, bancar muitas campanhas eleitorais. Se fosse possível conceder um prêmio de manipulação ele seria dividido entre os idealizadores do projeto Madeira e o governo Lula.


* Telma Monteiro é ativista ambiental, pesquisadora independente, especializada em análises de processos de licenciamento ambiental de hidrelétricas na Amazônia

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quarta-feira, 12 de março de 2014

Governo é denunciado na ONU por violação dos direitos indígenas e uso da Suspensão de Segurança



Nesta segunda, 10, entidades e lideranças sociais denunciaram o governo brasileiro na 25ª sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas por violações de direitos indígenas no processo de construção de grandes hidrelétricas na Amazônia. As denúncias foram apresentadas pela coordenadora da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Sonia Guajajara, e pelo advogado da organização internacional AIDA, Alexandre Sampaio, no evento “O direito das populações indígenas à consulta sobre grandes projetos hidrelétricos no Brasil”, organizado pela coalizão de ONGs internacionais France Libertes.

Sonia Guajajara e Alexandre Sampaio denunciam violações de direitos indígenas na ONU

De acordo com a coordenadora da APIB, a violação do direito dos povos indígenas à consulta e o consentimento livre, prévio e informado, previstos pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e não aplicada pelo Brasil, tem criado um perigoso precedente de ilegalidades no tocante à observância dos tratados internacionais, e está pondo em risco a sobrevivência da população indígena. “A aliança de interesses econômicos e políticos aprofunda uma crise sem precedentes na aplicação da legislação que protege nossos direitos. É inadmissível que o governo viole direitos indígenas garantidos tanto pela Constituição brasileira como por convenções internacionais”, afirmou Sonia Guajajara.
Já Alexandre Sampaio denunciou a utilização indiscriminada no país, por pressão da Advocacia Geral da União (AGU) e do Ministério de Minas e Energia (MME), do mecanismo da Suspensão de Segurança no caso de ações na justiça contra violações das legislações ambiental e indígena referentes a projetos hidrelétricos. Além de derrubar ações que visam proteger as populações afetadas, sem julgamento de mérito e com argumentos infundados sobre supostas ameaças à ‘ordem social e econômica’, as Suspensões de Segurança também reforçam a não observância da Convenção 169 da OIT, afirmou Sampaio. “A Suspensão de Segurança tem que ser abolida no Brasil. O problema é que os que a utilizam são os mesmos que se beneficiam com ela. Por isso é importante que a comunidade internacional fique ciente dessas manobras e cobre do governo brasileiro medidas efetivas de garantia dos direitos humanos”, explica o advogado.
Antes da realização do evento sobre direitos indígenas no Brasil, vários defensores dos direitos humanos se reuniram com a embaixadora da Missão Permanente do Brasil na ONU, Regina Dunlop. Diante da afirmação da embaixadora de que seria mais eficaz se as denúncias apresentadas fossem discutidas com o governo brasileiro em Brasília, Sonia Guajajara e Alexandre Sampaio afirmaram que as críticas aos grandes projetos são sistematicamente ignoradas internamente até que sejam expostas em fóruns internacionais, como os das Nações Unidas. “A reputação do Brasil está em jogo. Estamos aqui para dar visibilidade ao preconceito e à discriminação inaceitáveis sofridos pelos povos indígenas, e para por um fim a isso”, afirmou a coordenadora da APIB.

Documentos

Além da realização do evento sobre direitos indígenas e barragens, uma coalizão de organizações internacionais com status consultivo na ONU (France Libertes/Fondation Danielle Mitterrand, The Women’s International League for Peace and Freedom, The Indian Council of South America (CISA), International Educational Development, Inc., Mouvement  contre le racisme et pour l’amitié entre les peuples, Survival International Ltd,) e organizações brasileiras entregaram à Assembleia Geral das Nações Unidas dois documentos que destacam as ameaças dos planos do governo brasileiro de construir até 29 grandes barragens na bacia do Tapajós (incluindo os afluentes Teles Pires, Juruena e Jamanxim). As hidrelétricas previstas provocariam, em vários casos, a inundação de territórios indígenas e de comunidades ribeirinha.  Além disso, causaria outros danos irreparáveis a montante e a jusante das hidrelétricas, como a eliminação de espécies valiosas da ictiofauna (população de peixes) que constituem a base da economia e da sobrevivência da população local.

Da mesma forma que em Belo Monte, o governo não tem realizado processos de consulta livre, prévia e informada junto a povos indígenas e outras populações tradicionais atingidos por grandes barragens na bacia do Tapajos, inclusive nos casos de usinas como Teles Pires e São Manoel, já receberam licenças ambientais. Isso tem provocado crescentes conflitos com comunidades locais, como os povos indígenas Munduruku, Kayabi e Apiaka, que têm protestado contra a violação de seus direitos.

Leia aqui os dois documentos apresentados ontem à ONU:


Documento da France Libertes e outras organizações sobre direitos indígenas a consulta prévia e grandes projetos (espanhol)

Evento aborda reflexo da mineração e das hidrelétricas na Amazônia


Coordenador do simpósio relata as razões que levaram as diversas instituições envolvidas a criar esse espaço de debate


Em entrevista ao Amazônia Brasileira nesta segunda-feira (10), o coordenador do simpósio sobre mineração e hidrelétricas na Amazônia, Marquinho Mota, revelou as preocupações da população amazônica com o número de projetos de mineração, incluindo a exploração de petróleo e gás de xisto, bem como com a previsão da construção de centenas de novas hidrelétricas de pequeno, médio e grande porte na região.

O seminário acontece num momento propício à reflexão sobre o tema, por conta do que vem acontecendo na Amazônia Ocidental, em particular em Rondônia e no Acre, que sofrem de um alagamento histórico, que pode estar relacionado com a construção das hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio. Além disso, foram concedidas, no final de 2013, licenças para prospecção de petróleo e exploração de gás de xisto, como diversas outras concessões de exploração mineral, dentre elas a de Belo Sun. A mineradora canadense recebeu autorização para funcionar praticamente ao lado da hidrelétrica de Belo Monte, o que pode estar causando a chamada sobreposição de impactos na região de Altamira. Confira a entrevista na íntegra!
O Simpósio “Os impactos dos Projetos Econômicos e o Extermínio de Culturas: Energia e Mineração em Terras e Rios dos Povos Originários” acontecerá nos dias 17 e 18 de março, no auditório do “Memorial Darcy Ribeiro – Beijódromo, na Universidade Brasília – UnB. 
O programa Amazônia Brasileira vai ao ar de segunda a sexta-feira, a partir das 08h na Rádio Nacional da Amazônia, em rede com a Rádio Nacional do Alto Solimões, onde é transmitido ao vivo às 05h. A apresentação é de Beth Begonha.








terça-feira, 11 de março de 2014

MPF quer suspensão das atividades nas usinas de Jirau e Santo Antônio


Em conjunto com OAB e Defensorias Públicas, procuradores solicitaram indenização de R$ 100 milhões e cassação das licenças ambientais

O MPF (Ministério Público Federal) ingressou na Justiça Federal com uma ação civil pública que solicita a suspensão das atividades nas Usinas Hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, localizadas no estado de Rondônia. Os procuradores também pretendem que os consórcios Energia Sustentável do Brasil, (Jirau) e Santo Antônio Energia (Santo Antônio), atendam imediatamente as necessidades básicas de parte da população atingida pela enchente do Rio Madeira, enquanto durar a situação de emergência e até que haja uma decisão definitiva sobre a compensação, indenização ou realojamento.

Foto: Wilson Dias/ ABr

A ação civil pública também foi assinada pelo MP/RO (Ministério Público do Estado de Rondônia) (MP/RO), pela OAB/RO (Ordem dos Advogados do Brasil em Rondônia), além das Defensorias Públicas da União e do Estado de Rondônia. Os autores também exigem que o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis) suspenda as licenças ambientais para as usinas, até que novos estudos sobre os impactos das barragens sejam feitos.
Os novos diagnósticos ambientais devem ser supervisionados por vários órgãos públicos, como Iphan, Agência Nacional de Águas, DNIT, entre outros. Os estudos devem ser acompanhados por engenheiros, agrônomos, geólogos, sociólogos e outros especialistas indicados pelas instituições e custeados pelos consórcios.


O MPF exige que todos os réus compensem o dano moral coletivo, estimado em R$ 100 milhões, a ser revertido para as vítimas das enchentes e reconstrução de suas casas. Com a ação, os autores querem também um posicionamento oficial diante dos danos causados na área de influência das usinas de Santo Antônio e Jirau.

Procurado pelo Última Instância, o consórcio Energia Sustentável do Brasil afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que por respeito aos autores da ação e ao Poder Judiciário, a empresa se pronunciará sobre o caso apenas nos autos do processo e por meio de seus advogados. O Consórcio  Santo Antônio Energia, por sua vez, afirmou que não fará nenhuma declaração sobre o caso, pois ainda não foi notificado oficialmente da ação.
O Ibama também foi procurado pela reportagem de Última Instância, mas até o fechamento desta matéria não comentou a ação.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Apagão? Não, imposição de um modelo decadente

por Telma Monteiro*


Charge: sociedadealternativasaorafaelrn.blogspot.com


Ironia do destino. O JN informou que as hidrelétricas estão com nível quase igual ao da época do apagão.

“Foi o terceiro mês seguido de queda. A quantidade de água dos reservatórios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, que abastecem 70% do país, vem baixando desde o início da temporada de chuvas: 43% da capacidade de armazenamento em dezembro do ano passado; 40% em janeiro deste ano e 34% agora em fevereiro. É um nível semelhante ao de fevereiro de 2001, ano do racionamento, quando os reservatórios estavam com 33% da capacidade.”

Bem feito. Não foi falta de avisos por parte de cientistas, especialistas, pesquisadores, professores. Uma matriz elétrica calcada em mais de 70% em hidrelétricas, com as mudanças climáticas batendo na nossa porta, só poderia dar nisso. “Fartura de energia”, diz o governo. “Somos abençoados por uma energia tão limpa, enquanto o mundo se estapeia por ela”. Mas esse mundo já saiu na frente, buscando a solução. E o Brasil? Não saiu do lugar.

As usinas no rio Madeira foram impostas à sociedade com o argumento de que estaríamos a beira do apagão se elas não fossem construídas. O mesmo argumento foi usado para justificar Belo Monte. O mesmo está sendo usado para também justificar as usinas no rio Tapajós e no rio Teles Pires.

De 2003 até agora, onze anos depois que essa histeria começou, as usinas do Madeira, já em conclusão, não estão servindo para nada. As linhas de transmissão com 2 .450 km para trazer a energia de Porto Velho para o Sudeste, só ficaram prontas depois que as turbinas de Santo Antônio estavam operando. As mesmas turbinas de Santo Antônio que agora foram desligadas por ordem do Operador Nacional do Sistema (ONS) devido à cheia. Linhas de transmissão com custo absurdo não estão transportando, hoje, nenhum MWh. A previsão é que as cheias da bacia do rio Madeira vão avançar para todo o mês de março.

Na mesma toada vão as obras de Jirau, com algumas poucas turbinas em operação, com custos que já dobraram, subsidiados pelo BNDES dos governos de Lula e Dilma Rousseff, estão ameaçadas de colapso pela enchente histórica. Do outro lado da fronteira as autoridades bolivianas gritam que tinham a garantia das autoridades brasileiras de que as usinas não afetariam seu território. Balela! Tanto os bolivianos como os brasileiros sabiam direitinho que a Bolívia sofreria com as hidrelétricas. Até os estudos de viabilidade confirmavam isso. Estudos que os próprios empreendedores fizeram e que a Aneel aceitou.

Nada melhor para calar a boca de uns e outros que promessas de dinheiro e mega obras para políticos corruptos e empreiteiras sequiosas por empreendimentos que consomem muito concreto e ferro e que precisam remover milhares de m³ de rochas. Mais duas hidrelétricas foram acertadas, uma em solo boliviano e outra binacional, e então ficou o dito pelo não dito.

O rio Madeira foi subestimado quando os estudos de viabilidade e ambientais foram elaborados lá em 2002/2003. Nesses onze anos não houve a mínima preocupação do governo para incentivar programas de eficiência energética ou de economia de energia elétrica. População, indústria e comércio continuaram num festival de consumo de energia elétrica, já que o possível apagão iminente, inventado pelo setor elétrico do governo, tinha sido evitado com as usinas no rio Madeira.

Porto Velho está a jusante (rio abaixo) cerca de seis quilômetros da barragem de Santo Antônio e está sofrendo seus impactos. Bom lembrar que Altamira, no Pará, ao contrário, está cerca de seis quilômetros a montante  (rio acima) da barragem de Pimental, da hidrelétrica Belo Monte. Se as cheias que assolam a bacia do rio Madeira se repetirem na bacia do rio Xingu, teremos surpresas desagradáveis. Alguém já está pensando nisso?

Nem as alternativas como a energia eólica e solar fotovoltaica fizeram parte do planejamento sempre ruim do Ministério de Minas e Energia (MME). Menos mal, quem sabe assim, com um sistema à beira de um colapso, alguém no governo começa a pensar em para quem realmente está servindo a energia produzida pelas hidrelétricas e para que ela está sendo utilizada, na verdade. E seria bom aproveitar o embalo para tentar (acho que já escrevi isso mais de uma centena de vezes) minimizar as perdas técnicas das nossas linhas de transmissão e distribuição sucateadas. Isso também gera apagão.

Para agravar a situação, Dona Dilma, querendo fazer gracinha com o povo brasileiro que, infelizmente, não entende essa história de energia elétrica, acabou prometendo descontos mirabolantes na conta de luz. O resultado, evidente, o consumo aumentou.
Como isso tudo vai acabar? Não tenho bola de cristal, mas que a caixa preta do Ministério de Minas e Energia tem que ser aberta, tem. Essa seria uma boa oportunidade com a questão tão evidente na mídia.

*Telma Monteiro é ativista socioambiental, pesquisadora, editora do blogue http://www.telmadmonteiro.blogspot.com.br, especializado em projetos infraestruturais na Amazônia. É também pedagoga e publica há anos artigos críticos ao modelo de desenvolvimento adotado pelo Brasil.


Artigo originalmente publicado por Telma Monteiro em seu blogue pessoal e reproduzido neste sítio em 06/03/2014