terça-feira, 19 de novembro de 2013

Impactos das hidrelétricas do Madeira e Belo Monte, com Marijane Lisboa

Vídeo de 2010, mas com conteúdo bem recente

Entrevista com a socióloga e professora da PUC-SP, Marijane Lisboa, sobre os grandes projetos de hidroelétricas na Amazônia. Lisboa, uma das fundadoras do Greenpeace no Brasil, é atualmente relatora de meio ambiente da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - DHESCA Brasil.  Após visitar projetos nos rios Madeira e Xingu, incluindo a polêmica Belo Monte, Lisboa aponta diversas irregularidades e violações de direitos humanos e ambientais no processo de aprovação desses grandes empreendimentos de geração de energia.


sábado, 16 de novembro de 2013

Belo Monte: Os vexames de Maurício Tolmasquim


Por Telma Monteiro

 Maurício Tolmasquim no momento em que se disse "atordoado"


O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, representou o governo brasileiro na Conferência sobre Belo Monte, em Bruxelas. Ele participou do segundo painel, em que estava também o Procurador da República Felício Pontes Jr. que foi o primeiro a se apresentar. 


No final da sua fala, Maurício Tolmasquim, visivelmente nervoso e alterado, disse que nunca havia ouvido tanta desinformação, apresentada lá, sobre Belo Monte. Disse estar "atordoado"! Ele se excedeu, desrespeitou a plenária, os palestrantes do primeiro painel, os integrantes do painel do qual participou, o povo brasileiro e as três parlamentares que organizaram a Conferência. Sua fala chegou a ser cortada pela moderadora no momento de responder às perguntas dos participantes. Na foto do Tolmasquim, o momento do primeiro vexame. Coloquei no final vídeo da Conferência.

 Felício Pontes Jr., Procurador da República

O terceiro painel contou com a participação da Antonia Melo da Silva, Movimento Xingu Vivo para Sempre e, novamente, Francisco Del Moral Hernández (participante do primeiro painel). Ambos fizeram brilhantes apresentações.

Maurício Tolmasquim foi criticado ao final por sua postura rude e agressiva. Ele foi a nota que destoou na Conferência que teve uma nível técnico elevado. Felício Pontes Jr., mais uma vez, fez uma apresentação absolutamente elegante, forte, segura e tecnicamente irrepreensível. 
Recomendo que o leitor desta nota assista à gravação da Conferência

Para quem não pôde assistir ontem (14) a Conferência sobre Belo Monte, no Parlamento Europeu, em Bruxelas, já está disponível a gravação, também pelo link:

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Trailer do filme Amazônia Eterna


"Uma floresta que gera esperança, oportunidades e futuro. A maior floresta tropical do planeta já abriga diversas iniciativas que aliam com sucesso ecologia e economia. A Amazônia não é só a grande causa da humanidade, é também a protagonista das mudanças que irão ditar nosso futuro."

Essa é a defesa do documentário Amazônia Eterna: protagonista do século XXI, uma realização da produtora Giros e da agência Tudo. O projeto é composto por um documentário e exposição itinerante que alia cinema, televisão e internet.

www.amazoniaeterna.com.br 

MORADORES DE MANGABAL



Em uma surpreendente atitude, o governo federal, por meio do Incra, reconheceu o direito a 70 quilômetros da margem esquerda do rio Tapajós, em área que todos imaginavam estar sinada a projetos de barramentos, e deu um final feliz a uma luta quase bicentenária da comunidade tradicional de Montanha e Mangabal pela terra que ocupam há oito gerações.

Em 2007, o próprio governo federal havia negado, nesta mesma área, a criação de uma Resex demandada pelo grupo. À época, foi alegado que o local seria diretamente afetado pelas pretensões de barramento de São Luís do Tapajós e de Jatobá, ambas no rio Tapajós. Com a criação do PAE Montanha e Mangabal, porém, o governo parece que, enfim e excepcionalmente, colocou o direito de povos e comunidades tradicionais à frente dos grandes interesses econômicos de empreiteiras, mineradoras e hidrelétricas. 

Oxalá este seja a primeira mostra de uma nova forma de o governo federal olhar, conceber e planejar a Amazônia.

Abaixo,os links para matérias que noticiam o fato.



Contradição suprema


Ao suspender registro da TI Kayabi, ministro do STF toma decisão surpreendente e confunde ampliação com identificação de terra indígena.

Andreia Fanzeres*

Cuiabá, MT – 
Desde o dia 7 de novembro, por decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), está suspenso o registro em cartório imobiliário da Terra Indígena (TI) Kayabi, entre Mato Grosso e Pará. Esta medida surpreendeu e preocupou quem acompanha o penoso histórico de reconhecimento desta área como de posse permanente dos povos Kayabi, Apiaká e Munduruku. Fux acatou uma ação movida pelo estado de Mato Grosso, alegando que os indígenas não ocupavam essas terras quando a Constituição de 1988 entrou em vigor. O ministro fez ainda referência à decisão recente da Corte sobre a TI Raposa Serra do Sol (RR), adotando, mesmo não sendo vinculante aos demais casos do país, a condicionante de que ficaria “vedada a ampliação de terra indígena já demarcada”. Só que, ao aceitar que o caso da TI Kayabi é de “ampliação” de terra indígena, cria-se um fato consumado simplificado e equivocado.

O ato de aumentar os limites da TI Kayabi não é algo que esteja em questão neste momento, pois foi há muito superado durante o processo administrativo que reconheceu, identificou, demarcou e homologou a mesma com 1.053.000 hectares – etapa que teve seu desfecho em 24 de abril de 2013 por decreto presidencial.

Naquele ato, a presidente Dilma Rousseff nada mais fez do que homologar rigorosamente a mesma área definida 11 anos atrás por meio da Portaria 1149 do Ministério da Justiça, publicada em 2002, quando declarou de posse permanente dos indígenas esta extensão da TI Kayabi. Já àquela época, determinou, assim, a demarcação da área. E só o fez porque durante todos esses anos os índios resistiram e lutaram pelo direito de usufruírem de seu território tradicional.

Três anos antes, em 1999, o governo federal aprovava e publicava no Diário Oficial da União o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Kayabi, cujo grupo de trabalho foi definido ainda em 1993, coordenado pela antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues. Portanto, há mais de 20 anos este processo tem se arrastado, sem que o governo estivesse fazendo nada além de identificar, pela primeira vez, o território tradicional do povo Kayabi do Teles Pires a partir de laudos antropológicos. Este é um direito dos índios assentado no decreto 76.999 de 1976, determinando que todas as terras indígenas deveriam ser demarcadas de acordo com estudos antropológicos e “relatório contendo a descrição dos limites da área, atendidos a situação atual e o consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação dos índios”.

O direito de ter suas terras identificadas foi negado aos Kayabi em 1982, quando o governo de João Figueiredo homologou (com 117.246 hectares) a Terra Indígena Kayabi (grafava-se Cayabi) – demarcada em 1975 e definida em 1945 por Getúlio Vargas com área aproximada de 166.500 hectares no estado do Pará – à revelia de qualquer estudo de identificação do território tradicional dos Kayabi e ao arrepio da legislação. Deste modo, não há de se falar em ampliação, pois a TI Kayabi começou a ser identificada 20 anos atrás e, a partir deste trabalho, totalmente respaldado pela lei brasileira, o governo federal editou os demais atos administrativos de declarar, demarcar e homologar os 1.053.000 hectares – não sem antes, em cada uma dessas etapas, brigar também na Justiça contra os fazendeiros para fazer cumprir o direito dos indígenas.

Ao aceitar os argumentos do governo de Mato Grosso, que tenta negar a tradicionalidade do território Kayabi, o STF se contradiz porque em recente julgamento a ocupação tradicional foi reconhecida por aquela mesma Corte por meio de laudos periciais produzidos em juízo. Esquece-se também do histórico de ataques contra os indígenas em diversos momentos da história, alguns dos quais nenhum pouco longínquos.

Como exemplo, desde o século XIX e nos anos 1940, as frentes de exploração de borracha vindas do sul encurralavam os Kayabi e os dizimavam em confrontos com fazendeiros e seringueiros. Alguns índios se refugiaram na área do rio dos Peixes, outros fundaram aldeias no Médio Teles Pires, em afluentes dos rios Arinos e Juruena ou no alto Tapajós. A partir dos anos 50, os Kayabi sofreram com epidemias de sarampo. De acordo com o relatório de identificação da TI Kayabi, “apesar do ano de 1966 ter sido tomado por muitos como o último da Operação Kayabi, organizada pelos irmãos Villas Boas visando a transferência destes índios para o Xingu, ainda restavam várias famílias Kayabi do Baixo Teles Pires que haviam sobrevivido à epidemia de sarampo e continuavam vivendo bastante isolados e sem nenhuma assistência do governo”.

Em 1970, com a retirada compulsória de indígenas da região, instalou-se uma empresa mineradora no rio São Benedito. “Temendo represálias e assustados com as ameaças de funcionários da Mineração São Benedito, o grupo [que se recusou a entrar nos aviões da FAB rumo ao Xingu] internou-se nas matas da região por dois meses seguidos, fugindo do contato com outras pessoas, passando fome e todo o tipo de privações”, relata outro trecho do documento. Cerca de um ano depois, um casal que tinha sido levado para o Xingu resolveu retornar ao Teles Pires em uma dramática marcha de fuga que durou aproximadamente oito meses. Junto com outro grupo, foi encontrado pela Funai em 1973. Naquela época, o órgão indigenista chegou a registrar oficialmente que o patrimônio indígena estava tendo suas riquezas exploradas por regatões, grileiros e posseiros.

Esta situação, como se vê, ainda não acabou. Pelo contrário, ganhou como defensor do processo de esbulho das terras indígenas o estado de Mato Grosso, arguindo na ação acatada pelo ministro Luiz Fux que “não há dúvida de que, na data da promulgação da CF/88, já não mais existiam índios Kayabi em território mato-grossense, tomando-se o conceito jurídico de posse imemorial como parâmetro”. Com isso, desconsidera o artigo 231 da Constituição, que define “terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.

O estado de Mato Grosso afirma que, em vez de grileiros, madeireiros e posseiros reiteradamente flagrados em diversas operações de fiscalização ambiental empreendidas pelo órgão federal de meio ambiente dentro da TI Kayabi, enxerga a área como, na verdade, uma APA.

Em janeiro de 2013, o governador de Mato Grosso criou dentro de uma terra indígena reconhecida, identificada, declarada, demarcada e homologada a Área de Proteção Ambiental (APA) Santa Rosa com 313 mil hectares.  Como se sabe, ainda que as APAs necessitem de gestão (e gestores sérios) para cumprir com seu objetivo de conservar a natureza, elas configuram-se como as unidades de conservação menos restritivas de todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), sem previsão de desapropriação de ocupantes, entre outras facilidades.

A ação que julga o mérito da questão ainda não foi apreciada pelo STF.

* Colaboraram Ximena Morales Leiva e Juliana de Paula Batista.

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

2ª reunião do Movimento Ipereg Ayu: mais um passo na resistência munduruku


Indígenas da etnia e parceiros de luta se encontraram para organizar e discutir agenda das próximas ações contra a construção das hidrelétricas

Foram cinco dias de conversas que se estendiam pela noite. Justificável: é rara uma situação em que mais de 400 indígenas de 62 aldeias da etnia Munduruku tem a oportunidade de se encontrar para debater {trocar experiências e relatos} a respeito dos impactos iminentes do projeto federal que prevê a construção de barragens na região em que habitam.
Entre os dias 1 e 5 de novembro, diversas representações deste povo – junto com parceiros, ribeirinhos também afetados e órgãos como Funai e Ministério Público Federal – se encontraram à margem do rio Tapajós, na aldeia polo base Restinga, para discutir os rumos do Movimento Ipereg Ayu – organização indígena de luta contra a construção das hidrelétricas previstas no PAC.
A pauta da reunião indicava a urgência desse encontro. Feita de forma aberta, podendo qualquer Munduruku opinar ou adicionar pontos, ela continha mais de vinte itens – tendo destaque no debate a estruturação do movimento Ipereg Ayu e ações para o fortalecimento da resistência ao projeto federal, firmando uma agenda autônoma de ações para 2014. Vale a pena ressaltar alguns direcionamentos e decisões que apontam novos rumos na luta.
Associação Pusuru é extinta e transformada em Da’uk
Desde a reunião claramente arbitrária realizada em Jacareacanga, no dia 3 de agosto, parte significativa dos indígenas da etnia Munduruku já não se viam representados pela Associação Pusuru. A insatisfação tem motivos. A referida assembleia trocou a direção da entidade desconsiderando a opinião dos caciques – que nos mais de vinte anos de existência da associação tradicionalmente eram os responsáveis pela escolha do corpo diretório. Ao invés de se configurar numa reunião interna da etnia, o encontro contou com a intervenção de vereadores e prefeitura de Jacareacanga, além de forte aparato policial, inibindo a livre escolha participação dos Munduruku presentes.
Por conta disso, o movimento Ipereg Ayu extinguiu a associação e criou uma nova entidade representativa para a etnia. A Da’uk (que em Munduruku significa taoca, espécie de formiga conhecida por caminhar em coletividade) teve sua diretoria escolhida pelos mais de 60 caciques presentes.
Integram a nova associação Ademir Kaba (coordenador), Reginaldo Poxo (vice-coordenador), Ismael Akay (primeiro secretário), Antônio Saw (segundo secretário), Edivaldo Poxo (tesoureiro), Artemizia Manhuary (primeira fiscal) e Solano Akay (segundo fiscal). De acordo com Josias Manhuary, chefe-geral dos guerreiros e coordenador da 2ª reunião do movimento Ipereg Ayu, a partir de agora as reuniões da entidade ocorrerão somente em aldeias. “Vamos trazer a Da’uk mais para perto da gente. Não temos que nos encontrar na cidade, mas sim dentro do nosso espaço, sem a interferência de ninguém”.
Com as novas mudanças, o Conselho Indígena Munduruku do Alto Tapajós (CIMAT) também se renova e agora se chama Conselho Indígena Munduruku Pusuru Kao do Alto Tapajós (CIMPUKAT), coordenado por Ceso Tawe e com os demais conselheiros, entre eles, Francisco Waro, Raimundinho, Samúna Fanesa Manhuary, Valderino Waro Patauazal.

No link, veja a carta divulgada pela Da’uk.

Movimento Ipereg Ayu
A estruturação do movimento Ipereg Agu teve destaque nas discussões. Atuando desde o início de 2013, o grupo tem se dedicado ao fortalecimento das bases de luta contra as hidrelétricas, em um trabalho que visa principalmente à união do povo Munduruku em prol da preservação de sua identidade e território, aspectos culturais ameaçados pelos grandes projetos.
Neste percurso, o movimento cada vez mais tem recebido apoio de lideranças locais das diversas aldeias situadas no Rio Tapajós, Teles Pires, Rio das Tropas, Kabitutu, entre outros. Na reunião foi decidida a permanência do mesmo grupo à frente do movimento, composto por Josias Manhuary, Adalton Akay, Maria Leuza Kaba, Neuza Kirixi, Francineide Koro, Reginaldo Kaba, Zenóbio Manhuary, Ana Poxo e Adailton Paygo, fotógrafo da organização.
Decidiu-se também pela realização de duas assembleias anuais, sempre realizadas em aldeias. E a próxima já tem data marcada: dia 19 de abril, na aldeia Missão São Francisco, no Rio Cururu.
Outro assunto evidenciado nas conversas diz respeito às legislações internacional e nacional que garantem direitos das populações indígenas, como a Declaração das Nações Unidas sobre o direito dos povos indígenas e a Convenção 169 da OIT – leis violadas pelo governo brasileiro quando ignora a realização da consulta prévia, assunto abordado pelo procurador-geral da república, Felício Pontes, na reunião. (Veja aqui mais informações sobre o debate)
Também foi debatida a mudança da nomenclatura “área” para “território mundurucu” ao espaço reconhecido pela população indígena como local de existência e resistência histórica da etnia, além da retirada dos brancos do mesmo.
De acordo com Josias, chefe-geral dos guerreiros Munduruku, a luta tende a se aprofundar com os novos passos do Ipereg Ayu. “Não iremos desistir de lutar por aquilo que é nosso por direito. A própria Constituição brasileira reconhece isso. Nossas águas, florestas, animais e plantas são coisas sagradas, sem tudo isso nossa cultura será perdida. Então iremos nos fortalecer para lutar pela nossa identidade e modo de vida. Organizados somos fortes”, ressaltou o chefe.

Amazônia em Chamas apresenta série sobre a Saga Munduruku
A partir desta semana, o blog Amazônia em Chamas apresenta uma série de reportagens-relatos-entrevistas-transcrições com os materiais produzidos durante a estadia da equipe na aldeia Restinga. Para acompanhar, acesse nossa página www.amazoniaemchamas.noblogs.org.

Munduruku do Tapajós anunciam nova instância de representação

Fonte: Movimento Xingu Vivo Para Sempre

Após a realização de uma Assembleia Geral convocada por caciques e lideranças no início de novembro, os Munduruku, em franca oposição à construção das hidrelétricas do Tapajós, anunciaram a reformulação de sua instância representativa, a Associação Pusuru.
A decisão foi tomada por mais de 65 caciques e lideranças que juntos totalizaram mais de 400 Munduruku reunidos em assembleia na aldeia Restinga. O povo declarou de forma enfática que seguirá combatendo a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós e demais usinas nos rios da Amazônia.

Em carta divulgada nesta segunda, 11 de novembro, os Munduruku afirmam que a Associação Pusuru, que havia assumido a interlocução com o governo federal, foi reestruturada, teve o nome mudado para Dau’k e sua diretoria alterada.

O documento também reforça a preocupação dos indígenas com a entrada de não-índios, como pesquisadores do empreendimento hidrelétrico do Tapajós, e garimpeiros, em seus territórios.

Leia abaixo a transcrição da carta:

Carta do Movimento Munduruku Ipereg Ayu

Sawe! Comunicamos aos amigos(as) e parentes indígenas e não indígenas que apóiam o nosso movimento contra o grande projeto de destruição do nosso planeta Terra,  aquelas pessoas que lutam pela biodiversidade e contra a violação de direitos humanos: a segunda assembléia do movimento aconteceu na Aldeia Restinga. Sessenta e nove caciques e lideranças, junto com seus guerreiros (as) participaram. E decidiram para retomar de volta a aldeia a nossa organização Pusuru. E também foi mudado o seu nome e a sua diretoria. A partir de agora o nome é Da’uk. Tivemos reunidos cinco dias, desde dia 1 a 5 de novembro do ano de 2013. A principal pauta que foi mais discutida é a destruição do meio ambiente, a entrada de brancos no nosso território, entram sem autorização dos caciques das aldeias;  e o fortalecimento dos lideres dos guerreiros(as). Apoiaram mais entidades que lutam contra a violação dos direitos humanos.
A terceira assembléia será realizada no dia 19 de abril do ano 2014 na aldeia Missão São Francisco, no rio Cururu.
Finalizamos esta carta. Pelos líderes do Movimento Munduruku Ipereg Ayu.

Sawe! Sawe! Sawe!
Atakoy Moka Ibo

Jacareacanga,  11.11.2013

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Fotógrafos registram desmatamento da Amazônia brasileira






Os fotógrafos Nacho Doce e Ricardo Moraes, da agência Reuters, viajaram pela Amazônia registrando diversas formas de desmatamento: extração ilegal de madeira, queimadas, garimpos, a expansão da pecuária e das monoculturas de grãos na região Oeste do Pará foram registradas em imagens de Santarém, Uruará, Novo Progresso, Castelo dos Sonhos (distrito de Altamira, na região da BR-163) e Morais de Almeida (distrito de Itaituba). Há ainda fotografias de outras regiões e registram a construção de hidrelétrica no rio Teles Pires, a invasão de terras indígenas e fornos para a produção de carvão.



Parte deste registro pode ser visto AQUI. 

Munduruku do Médio Tapajós pedem apoio para luta por demarcação



Sequer reconhecidos em sua existência pelo governo federal, enquanto são ameaçados por um Complexo Hidrelétrico e por homens da Força Nacional de Segurança, os Munduruku do Médio Tapajós estão divulgando uma carta em que pedem apoio para a sua luta por reconhecimento territorial. 


Para se ter ideia de como esse grupo está ameaçado, os mundurukus do Médio Tapajós ocupam a margem esquerda do rio, na região da foz do rio Jamanxim, área afetada diretamente pela hidrelétrica de São Luiz e até hoje sequer constam como grupo identificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

Na carta, os indígenas exigem a demarcação de seu território e narram a invasão do mesmo por madeireiras e garimpeiros. A entrada de pesquisadores contratados para fazer os estudos de viabilidade ambiental do Complexo do Tapajós também é apontado como o mais mais novo problema enfrentado pelo grupo. “(...) o governo não tem respeito por nos indígenas. Há muitos pesquisadores juntamente com a Força Nacional e Federal intimidando indígenas a usufruir o seu próprio local”, afirma os indígenas em trecho da carta que é assinada por quase setenta indígenas. 

Os munduruku estão formando uma comissão de 30 lideranças para ir até Brasília exigir a demarcação territorial e pedem apoio de todas as entidades para deslocamento e hospedagem.

Confira a carta na íntegra AQUI. 

MPF debate o direito à consulta prévia com índios Munduruku


Equipe esteve essa semana na aldeia Restinga, nas margens do rio Tapajós, para reunião com 62 caciques do povo que resiste à implantação de hidrelétricas e reivindica consultas

Indígena Munduruku e o Procurador Felício Pontes Jr. Foto: MPF/PA

Uma equipe do Ministério Público Federal (MPF) visitou essa semana a aldeia Restinga, nas cabeceiras do rio Tapajós, no oeste do Pará, para um encontro com 62 caciques do povo Munduruku. O objetivo da reunião foi debater o direito à consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Além dos líderes de aldeias, estavam reunidos mais de 400 homens, mulheres e crianças na assembleia em que os índios debateram os projetos de hidrelétricas que o governo brasileiro quer fazer em suas terras.

Na reunião, o MPF explicou aos índios o que está previsto nos 44 artigos da Convenção 169, mostrando, entre outras coisas, que o direito à consulta foi instituído visando assegurar a autodeterminação dos povos indígenas e tribais, em oposição às anteriores políticas de assimilação, que buscavam extinguir as culturas e modos de vida diversos daqueles da chamada “sociedade nacional”. “Se o governo brasileiro não cumpre a consulta, está agindo de acordo com o tempo que já passou, do assimilacionismo, desrespeitando o direito dos povos à própria existência”, explicou o procurador da República Felício Pontes Jr, que esteve na aldeia.

“Não são as pessoas que moram na cidade que podem decidir, somos nós, quem mora dentro do mato, que caça, que pesca, que tem roça”, disseram várias vezes os Munduruku durante o debate. “Os brancos falam que tem muita terra para pouco índio e que nós não produzimos riqueza. Nós não entendemos pra que branco quer produzir tanta soja, se no Brasil não se come soja. Nós não entendemos pra que branco quer tanto dinheiro, se não vai poder levar dinheiro quando morrer. Nós não entendemos vocês porque somos diferentes de branco. E queremos continuar assim”, resumiu Ademir Kaba Munduruku.Ademir Kaba é um dos Munduruku que chegou a estudar na universidade e conhece bem as leis que protegem os direitos indígenas. O assimilacionismo, doutrina que pregava a assimilação dos povos indígenas e tribais às sociedades envolventes, e portanto o fim de seus modos de vida tradicionais e diversos, foi abandonado pelos organismos internacionais em 1989, com a aprovação da Convenção 169 pela OIT. A consulta prévia, livre e informada, nesse novo quadro de respeito à diversidade, dá aos povos o direito de decidirem sobre o próprio futuro.

Boa fé
Poucos, entre os mais de 13 mil índios que vivem na região, falam português e, por isso, toda a reunião contou com tradutores Munduruku. A tradução de estudos e informações em língua indígena é uma das condições fundamentais para a consulta prévia, livre e informada. Outra condição presente na Convenção 169 é a boa fé e o respeito ao tempo e ao modo de ser da cultura do povo consultado. No entendimento do MPF, da maneira como o governo brasileiro vem conduzindo os projetos de usinas na Amazônia, não há intenção de fazer nenhuma consulta realmente prévia. “Só se trata de consulta prévia quando a decisão ainda não foi tomada”, diz Felício Pontes Jr. Para o MPF, os indígenas e ribeirinhos precisariam ser consultados antes da resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que decide os locais dos barramentos. Todas as informações sobre os procedimentos necessários para o licenciamento de uma hidrelétrica e os momentos em que deveria haver consulta foram condensados em um fluxograma que foi apresentado aos Munduruku e pode ser acessado aqui.

Assassinato
“A gente vem lutando desde a morte do nosso parente e os caciques não querem que a gente desista, então a gente vai continuar defendendo os nossos direitos e dos nossos filhos”, disse Maria Leuza Kaba, liderança Munduruku. Ela se refere ao assassinato, um ano atrás, pela Polícia Federal, de Adenilson Krixi Munduruku, da aldeia Teles Pires uma das mais atingidas por projetos de hidrelétricas. Desde então, a situação entre os Munduruku e o governo federal é de extrema tensão. O crime ainda não foi esclarecido e ocorreu durante uma operação que combatia garimpagem ilegal na região.

Além da morte de Adenilson, há grande insatisfação entre os índios com a militarização da região, promovida pelo governo brasileiro. “A gente nunca é avisado quando vem a Força Nacional e a polícia, a gente já se assusta com a zoeira dos helicópteros. Eu não vou parar de lutar, meu irmão foi morto”, relatou João Krixi, irmão de Adenilson. Atualmente 300 homens da Força Nacional estão baseados em Jacareacanga, a cidade mais próxima. Eles são constantemente acusados pelos índios de fazer incursões em terra indígena.

Em resposta, os Munduruku já ocuparam e paralisaram duas vezes os canteiros de obras de Belo Monte para reivindicar o respeito ao direito da consulta prévia e se posicionar contra as usinas. Eles também expulsaram de suas terras pesquisadores que trabalhavam nos Estudos de Impacto Ambiental das hidrelétricas.

A consulta prévia é uma obrigação do governo brasileiro, assumida com a ratificação da Convenção 169 em 2004, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não cumprida até hoje em nenhum empreendimento que afeta terras indígenas e de populações tradicionais. No caso das usinas previstas para a bacia do Tapajós, assim como no caso de Belo Monte, não houve consulta prévia.


Suspensão de Segurança

O MPF tem ações judiciais para obrigar a realização da consulta para as usinas São Luiz do Tapajós, São Manoel e Teles Pires. Todas as ações têm decisões favoráveis da Justiça, mas os projetos continuam sendo tocados com base no instituto da Suspensão de Segurança (SS) – em que presidentes de tribunais suspendem decisões sem tomar conhecimento dos processos judiciais, por razões de ordem econômica. 

Esse instrumento jurídico-processual foi originalmente instituído em 1964, pelo governo militar, para assegurar a supremacia dos interesses do regime sobre os direitos sociais e fundamentais. Modificado em 1992, segue em vigor, sendo utilizado pelos governos democráticos para os mesmos fins e com muita frequência quando se trata de violações de direitos indígenas.

Atualmente estão previstas ou em construção 9 usinas nessa que é uma das principais bacias hidrográficas amazônicas, com barramentos no Tapajós e em seus formadores Juruena, Apiacás e Teles Pires. De todos os grandes rios da bacia, apenas o Jamanxim ficaria livre de barramentos, de acordo com declarações de autoridades governamentais em Brasília, pelo menos por enquanto.

Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação

Ribeirinhos têm conquista histórica em área de barragens do Tapajós

 


O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) selou o fim de uma luta histórica de uma centena de famílias ribeirinhas da região oeste do Pará com a criação do Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) Montanha-Mangabal, garantindo o reconhecimento de um território tradicionalmente ocupado há mais de 140 anos no Alto Tapajós. Se chegou com, no mínimo, meio século de atraso, certamente veio em um momento político surpreendente, considerando que as terras dessas famílias se situa em área de influência direta de barragens planejadas para integrar o Complexo Hidrelétrico do Tapajós. A história foi noticiada, nesta quinta, pela BBC.
Afinal de contas, para quem não sabe, Belo Monte foi apenas um aperitivo de um rosário de dezenas hidrelétricas que estão planejadas para serem construídas na Amazônia nos próximos anos.
Pedi para duas pessoas que conhecem de perto o Montanha-Mangabal para contarem essa história. Natalia Guerrero, jornalista e mestre em Geografia Humana pela USP, que cobre a luta dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal desde 2008, e Mauricio Torres, doutor em Geografia Humana também pela USP. Sua dissertação de mestrado, “A Beiradeira e o Grilador”, foi o resultado de sua pesquisa sobre a comunidade, e analisa a trajetória histórica de oito gerações de ribeirinhos. Segue o texto:

O ano de 2013 foi um infeliz marco para a reforma agrária no Brasil. Os números são de tal forma constrangedores, que o governo acabou revendo suas próprias diretrizes e veio a público, em outubro, selar o compromisso de assinar cem decretos de desapropriação de terras para a criação de assentamentos, ainda este ano. De forma geral, como este blog muito bem acompanha, vivem-se tempos de intensa oposição ao reconhecimento dos territórios de povos e comunidades tradicionais.
No entanto, com esse quadro por cenário, uma região do Brasil acaba de ser palco de um corajoso ato contra a corrente. No oeste do Pará, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu, por meio da criação de um Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE), os direitos de uma centena de famílias ribeirinhas do Alto Tapajós a seu território, ocupado há mais de um século. A portaria de criação do PAE Montanha-Mangabal foi assinada em setembro, e a homologação das famílias beneficiárias foi concluída neste mês de outubro.
“Tenho muito orgulho de poder estar realizando e encerrando uma luta dessa, dando direito a quem tem”, afirmou à BBC Luiz Bacelar Guerrero Júnior, superintendente da SR-30, regional do Incra situada em Santarém, e que abrange o Oeste do Pará. Quando questionado se os interesses econômicos que pairam sobre o lugar foram um obstáculo na criação do assentamento, Bacelar foi taxativo: “Não dei ouvidos. Fiz o que tinha que fazer e pronto”.

Terras e águas de se cobiçar - A modéstia do superintendente não se aplica: o PAE Montanha-Mangabal está longe de ser um assentamento comum. Situado no município de Itaituba (PA), e abrangendo 54.443 hectares, distribuídos ao longo de quase 70 km da margem esquerda do Alto Tapajós, o projeto se insere em uma região marcada, historicamente, pelo assédio de diversos grupos econômicos – grileiros, mineradoras, madeireiros. Nos últimos anos, foi a vez de o governo federal voltar seus olhos às cachoeiras daquele trecho de rio, onde está prevista a instalação de barragens do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.
Mas ali não há só terra e águas para negócio, há também território. Um território que vem sustentando o modo de vida de uma centena de famílias ribeirinhas há mais de 140 anos. É esse manejo centenário, associado à determinação do grupo em resistir às diversas ameaças sobre sua ocupação, que se expressa em algumas das matas mais bem preservadas do Alto Tapajós.
Nesse sentido, a criação do PAE Montanha-Mangabal vem selar o fim dessa longa luta, marcada por uma trajetória que oscila entre o emblematismo e a quebra de paradigmas.
Como muitos extrativistas da Amazônia, a ocupação de Montanha e Mangabal remonta à exploração da borracha na segunda metade do século 19. Por meio da incorporação – barbaramente violenta – de mulheres indígenas à vida nos seringais, incorporou-se também uma matriz de conhecimento que permitiu a adaptação às condições impostas pela floresta, quando o comércio do látex cessou.
Desde então, os moradores daquele lugar testemunharam a ascensão e queda de diversas atividades econômicas, como o comércio de pele de felinos e o garimpo, iniciado em meados dos anos 1970. Nesse período, a criação do Parque Nacional da Amazônia, em 1974, significou a expulsão de muitas das famílias extrativistas que ali viviam. Concentradas rio acima, resistiram.
No início da década de 2000, a batalha foi contra uma empresa paranaense, autora de uma das maiores fraudes fundiárias já registradas. Por meio de uma sofisti­cada manobra jurídica, a empresa se declarou proprietária de 1.138.000 hectares na região de Itaituba, o equivalente a quase oito cidades de São Paulo. No meio da terra grilada, estavam as famílias de Montanha e Mangabal – ou os “invasores”, segundo declarava a empresa.
A resistência dos ribeirinhos permitiu a realização de uma extensa pesquisa genealógica que comprovou que os “invasores” tinham oito gerações, nascidas e enterradas naquele lugar. Com apoio do MPF, obteve-se a interdição da vasta área a qualquer pessoa que não fosse das famílias de Montanha e Mangabal. Uma interdição desse tipo, em uma área que não fosse de ocupação indígena ou quilombola, foi algo sem precedentes na história do Judiciário brasileiro.
Mas não era a última batalha. Para formalizar seu direito àquela terra, os beiradeiros passaram a reivindicar, então, a criação de uma Reserva Extrativista no local, instrumento que garantiria sua ocupação, bem como lhes daria acesso a créditos para agricultura e, até mesmo, melhores condições para demandar atendimento médico e escolar à comunidade.
Todos os estudos necessários à criação da unidade de conservação ambiental foram realizados a contento, mas a Resex não saiu. A minuta do decreto de criação, que deveria ser assinado pelo então presidente Lula, não foi mais longe que as mãos da então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. O motivo estava em um ofício do Ministério de Minas e Energia (MME), endereçado em 2008 à Casa Civil: “A Resex Montanha Mangabal causará interferência em qualquer uma das alternativas causadas visto que as alternativas estão inseridas na área proposta para a unidade de conservação. Desta forma, conclui-se que a unidade não deva ser criada”.
Frustrados em seus desígnios de reconhecimento, com a perspectiva de ter de abandonar seu território centenário, a resistência dos ribeirinhos de Montanha e Mangabal arrefeceu, mas não cessou.  Ante a sequência de desrespeitos no andamento dos estudos para as barragens do Tapajós, uma aliança histórica foi selada com os vizinhos Munduruku, cujo território também sofrerá impactos com o barramento.
É nesse contexto que vem à tona a surpreendente notícia de criação PAE Montanha-Mangabal.

Terra para ficar - “É a primeira vez na história do País que o governo federal reconhece a ancestralidade da história daquelas comunidades e as trata como titulares de direitos fundamentais, em especial titulares de direito à terra”, disse à BBC Felipe Fritz Braga, procurador da República que deu início aos procedimentos no sentido do reconhecimento dos direitos das famílias de Montanha e Mangabal. Para o procurador, a coesão da própria comunidade teve importância fundamental nesse processo. “Montanha-Mangabal hoje tem uma existência política clara. Estiveram no Congresso Nacional há alguns anos e se manifestam regionalmente sobre políticas públicas. A criação do projeto agroextrativista é sem dúvida importante para a proteção do território, mas não é de fato uma criação – é, na verdade, um óbvio e devido reconhecimento”.
Para Ticiana Nogueira, atual procuradora da República em Santarém, a criação foi certamente um marco na luta pelo reconhecimento de territórios tradicionalmente ocupados. “O governo andou muito bem neste caso, que já tinha o devido reconhecimento judicial, uma vez que a área já era protegida por decisão judicial, mas carecia da decisão política final do governo federal.”
Pouco a pouco, a notícia de criação do assentamento vai subindo o Tapajós, envolvida em orgulho e expectativa. “Eu vejo isso como resultado da nossa luta”, defende Simar Braga dos Anjos, uma das antigas lideranças mais ativas na luta pelo reconhecimento dos direitos das famílias de Montanha em Mangabal e pela cobrança da presença do Estado na garantia desses direitos. “Eu digo que dependemos, sim, do governo, mas não em termos de sobrevivência. Nada de cesta básica, essas coisas. O que o povo precisa lá é saúde, escola. O governo se esqueceu de nós ali. É isso que eu sempre cobro, e eu acredito que o assentamento nos dá mais condições de correr atrás disso”.
Mais um filho dessa comunidade do Tapajós, a situação de Tarsis Cardoso sinaliza um exemplo do tipo de consequências dessa falta de políticas públicas. O ribeirinho mudou-se para a sede de Itaituba há alguns anos para que a filha, Sâmila, pudesse seguir na escola. “Muita gente saiu por causa do estudo”, conta. Cardoso é da opinião de que as políticas são consequência da importância da ocupação de sua comunidade. “É uma forma de mostrar que há muitas gerações que nasceram e se criaram ali e que dependem dali pra sobreviver”, avalia o beiradeiro, que mantém fortes vínculos com a terra onde ainda moram seus pais.
Para a pequena Sâmila, de sete anos, os meses são muito longos quando se trata de esperar as férias escolares, oportunidade que tem para visitar o pedaço de rio tradicionalmente ocupado por sua família. É lá que pode se dedicar, junto com os primos e vizinhos do beiradão, a seus passatempos preferidos, como ouvir os bichos da mata, pescar e ouvir histórias dos mais antigos. “Ela gosta mais é de história de rio, que o pessoal conta”, relata Cardoso. “Às vezes ela fica na beira do rio, pescando, o pessoal passa [e diz]: ‘Olha, cuidado, outro dia o fulano falou que o bicho ia levando a mulher’. Ela fica só sorrindo.”
As histórias de que gosta Sâmila mostram como os aspectos daquele modo de vida têm uma relação muito forte com aquele território, tal como segue manejado até hoje pelas famílias de Montanha e Mangabal. “São centenas de pessoas que sabem pescar, lavrar terra, coletar frutas que a floresta oferece para nós. São memórias dos parentes enterrados. Ali existe uma história muito bonita”, diz seu Simar.

A esquizofrenia do governo - Em maio de 2012, Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), corporação pública ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME) ofereceu uma especial demonstração de desrespeito ou ignorância em relação às comunidades tradicionais de Montanha e Mangabal. Ao falar dos projetos pretendidos para as barragens de São Luiz do Tapajós e Jatobá, Tolmasquim aludiu à inexistência de “ocupação humana” nos locais de pretensão das obras.
Pouco mais de um ano depois, o mesmo governo federal não só admite a existência da comunidade tradicional de Montanha e Mangabal como lhes reconhece formalmente o direito a quase 70 km ao longo das margens do rio Tapajós que seriam inundadas e devassadas por uma barragem.

Terá o governo decidido parar de reproduzir o discurso do colonizador – revisitado nos tempos da ditadura militar – da “terra sem homens”? “Sem homens” porquanto se relega à condição não humana toda uma população, claro. Poderão os povos e comunidades tradicionais dessa região contar com o respeito do governo com relação às convenções e tratados internacionais dos quais é signatário? Esperamos não assistir, nos próximos dias, ao cancelamento da portaria de criação do PAE Montanha-Mangabal alegando-se uma tecnicalidade qualquer. Com esse histórico, seria de uma violência extremamente atroz, mas pouco surpreendente.