segunda-feira, 25 de novembro de 2013
terça-feira, 19 de novembro de 2013
Impactos das hidrelétricas do Madeira e Belo Monte, com Marijane Lisboa
Vídeo de 2010, mas com
conteúdo bem recente
Entrevista
com a socióloga e professora da PUC-SP, Marijane Lisboa, sobre os grandes
projetos de hidroelétricas na Amazônia. Lisboa, uma das fundadoras do Greenpeace no
Brasil, é atualmente relatora de meio ambiente da Plataforma Brasileira de
Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais - DHESCA
Brasil. Após visitar projetos nos rios
Madeira e Xingu, incluindo a polêmica Belo Monte, Lisboa aponta diversas
irregularidades e violações de direitos humanos e ambientais no processo de
aprovação desses grandes empreendimentos de geração de energia.
sábado, 16 de novembro de 2013
Belo Monte: Os vexames de Maurício Tolmasquim
Por
Telma Monteiro
Maurício Tolmasquim no momento em que se disse
"atordoado"
O presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim,
representou o governo brasileiro na Conferência sobre Belo Monte, em Bruxelas.
Ele participou do segundo painel, em que estava também o Procurador da
República Felício Pontes Jr. que foi o primeiro a se apresentar.
No final da sua fala,
Maurício Tolmasquim, visivelmente nervoso e alterado, disse que nunca havia
ouvido tanta desinformação, apresentada lá, sobre Belo Monte. Disse estar
"atordoado"! Ele se excedeu, desrespeitou a plenária, os palestrantes
do primeiro painel, os integrantes do painel do qual participou, o povo
brasileiro e as três parlamentares que organizaram a Conferência. Sua fala
chegou a ser cortada pela moderadora no momento de responder às perguntas dos
participantes. Na foto do Tolmasquim, o momento do primeiro vexame. Coloquei no
final vídeo da Conferência.
O terceiro painel contou
com a participação da Antonia Melo da Silva, Movimento Xingu Vivo para Sempre
e, novamente, Francisco Del Moral Hernández (participante do primeiro painel).
Ambos fizeram brilhantes apresentações.
Maurício Tolmasquim foi
criticado ao final por sua postura rude e agressiva. Ele foi a nota que destoou
na Conferência que teve uma nível técnico elevado. Felício Pontes Jr., mais uma
vez, fez uma apresentação absolutamente elegante, forte, segura e tecnicamente
irrepreensível.
Recomendo que o leitor
desta nota assista à gravação da Conferência
Para quem não pôde
assistir ontem (14) a Conferência sobre Belo Monte, no Parlamento Europeu, em
Bruxelas, já está disponível a gravação, também pelo link:
sexta-feira, 15 de novembro de 2013
Trailer do filme Amazônia Eterna
"Uma floresta que gera esperança, oportunidades e futuro. A maior floresta tropical do planeta já abriga diversas iniciativas que aliam com sucesso ecologia e economia. A Amazônia não é só a grande causa da humanidade, é também a protagonista das mudanças que irão ditar nosso futuro."
Essa é a defesa do documentário Amazônia Eterna: protagonista do século XXI, uma realização da produtora Giros e da agência Tudo. O projeto é composto por um documentário e exposição itinerante que alia cinema, televisão e internet.
Essa é a defesa do documentário Amazônia Eterna: protagonista do século XXI, uma realização da produtora Giros e da agência Tudo. O projeto é composto por um documentário e exposição itinerante que alia cinema, televisão e internet.
www.amazoniaeterna.com.br
MORADORES DE MANGABAL
Em uma surpreendente atitude, o governo federal, por meio do Incra, reconheceu o direito a 70 quilômetros da margem esquerda do rio Tapajós, em área que todos imaginavam estar sinada a projetos de barramentos, e deu um final feliz a uma luta quase bicentenária da comunidade tradicional de Montanha e Mangabal pela terra que ocupam há oito gerações.
Em 2007, o
próprio governo federal havia negado, nesta mesma área, a criação de uma Resex
demandada pelo grupo. À época, foi alegado que o local seria diretamente
afetado pelas pretensões de barramento de São Luís do Tapajós e de Jatobá,
ambas no rio Tapajós. Com a criação do PAE Montanha e Mangabal, porém, o
governo parece que, enfim e excepcionalmente, colocou o direito de povos e
comunidades tradicionais à frente dos grandes interesses econômicos de
empreiteiras, mineradoras e hidrelétricas.
Oxalá este
seja a primeira mostra de uma nova forma de o governo federal olhar, conceber e
planejar a Amazônia.
Abaixo,os
links para matérias que noticiam o fato.
Contradição suprema
Ao
suspender registro da TI Kayabi, ministro do STF toma decisão surpreendente e
confunde ampliação com identificação de terra indígena.
Andreia
Fanzeres*
Cuiabá, MT – Desde o dia 7 de novembro, por decisão do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), está suspenso o registro em cartório imobiliário da Terra Indígena (TI) Kayabi, entre Mato Grosso e Pará. Esta medida surpreendeu e preocupou quem acompanha o penoso histórico de reconhecimento desta área como de posse permanente dos povos Kayabi, Apiaká e Munduruku. Fux acatou uma ação movida pelo estado de Mato Grosso, alegando que os indígenas não ocupavam essas terras quando a Constituição de 1988 entrou em vigor. O ministro fez ainda referência à decisão recente da Corte sobre a TI Raposa Serra do Sol (RR), adotando, mesmo não sendo vinculante aos demais casos do país, a condicionante de que ficaria “vedada a ampliação de terra indígena já demarcada”. Só que, ao aceitar que o caso da TI Kayabi é de “ampliação” de terra indígena, cria-se um fato consumado simplificado e equivocado.
O ato
de aumentar os limites da TI Kayabi não é algo que esteja em questão neste
momento, pois foi há muito superado durante o processo administrativo que
reconheceu, identificou, demarcou e homologou a mesma com 1.053.000 hectares –
etapa que teve seu desfecho em 24 de abril de 2013 por decreto presidencial.
Naquele
ato, a presidente Dilma Rousseff nada mais fez do que homologar rigorosamente a
mesma área definida 11 anos atrás por meio da Portaria 1149 do Ministério da
Justiça, publicada em 2002, quando declarou de posse permanente dos indígenas
esta extensão da TI Kayabi. Já àquela época, determinou, assim, a
demarcação da área. E só o fez porque durante todos esses anos os índios
resistiram e lutaram pelo direito de usufruírem de seu território tradicional.
Três
anos antes, em 1999, o governo federal aprovava e publicava no Diário Oficial
da União o relatório de identificação e delimitação da Terra Indígena Kayabi,
cujo grupo de trabalho foi definido ainda em 1993, coordenado pela
antropóloga Patrícia de Mendonça Rodrigues. Portanto, há mais de 20 anos este
processo tem se arrastado, sem que o governo estivesse fazendo nada além de
identificar, pela primeira vez, o território tradicional do povo Kayabi do
Teles Pires a partir de laudos antropológicos. Este é um direito dos
índios assentado no decreto 76.999 de 1976, determinando que todas as terras
indígenas deveriam ser demarcadas de acordo com estudos antropológicos e
“relatório contendo a descrição dos limites da área, atendidos a situação atual
e o consenso histórico sobre a antiguidade da ocupação dos índios”.
O
direito de ter suas terras identificadas foi negado aos Kayabi em 1982, quando
o governo de João Figueiredo homologou (com 117.246 hectares) a Terra
Indígena Kayabi (grafava-se Cayabi) – demarcada em 1975 e definida em 1945 por
Getúlio Vargas com área aproximada de 166.500 hectares no estado do Pará – à
revelia de qualquer estudo de identificação do território tradicional dos
Kayabi e ao arrepio da legislação. Deste modo, não há de se falar em
ampliação, pois a TI Kayabi começou a ser identificada 20 anos atrás e, a
partir deste trabalho, totalmente respaldado pela lei brasileira, o governo
federal editou os demais atos administrativos de declarar, demarcar e homologar
os 1.053.000 hectares – não sem antes, em cada uma dessas etapas, brigar também
na Justiça contra os fazendeiros para fazer cumprir o direito dos indígenas.
Ao
aceitar os argumentos do governo de Mato Grosso, que tenta negar a
tradicionalidade do território Kayabi, o STF se contradiz porque em recente
julgamento a ocupação tradicional foi reconhecida por aquela mesma Corte por
meio de laudos periciais produzidos em juízo. Esquece-se também do histórico de
ataques contra os indígenas em diversos momentos da história, alguns dos quais
nenhum pouco longínquos.
Como
exemplo, desde o século XIX e nos anos 1940, as frentes de exploração de
borracha vindas do sul encurralavam os Kayabi e os dizimavam em confrontos com
fazendeiros e seringueiros. Alguns índios se refugiaram na área do rio dos
Peixes, outros fundaram aldeias no Médio Teles Pires, em afluentes dos rios
Arinos e Juruena ou no alto Tapajós. A partir dos anos 50, os Kayabi sofreram
com epidemias de sarampo. De acordo com o relatório de identificação da TI
Kayabi, “apesar do ano de 1966 ter sido tomado por muitos como o último da
Operação Kayabi, organizada pelos irmãos Villas Boas visando a transferência
destes índios para o Xingu, ainda restavam várias famílias Kayabi do Baixo
Teles Pires que haviam sobrevivido à epidemia de sarampo e continuavam vivendo
bastante isolados e sem nenhuma assistência do governo”.
Em
1970, com a retirada compulsória de indígenas da região, instalou-se uma
empresa mineradora no rio São Benedito. “Temendo represálias e assustados com
as ameaças de funcionários da Mineração São Benedito, o grupo [que se recusou a
entrar nos aviões da FAB rumo ao Xingu] internou-se nas matas da região por
dois meses seguidos, fugindo do contato com outras pessoas, passando fome e
todo o tipo de privações”, relata outro trecho do documento. Cerca de um ano
depois, um casal que tinha sido levado para o Xingu resolveu retornar ao Teles
Pires em uma dramática marcha de fuga que durou aproximadamente oito meses.
Junto com outro grupo, foi encontrado pela Funai em 1973. Naquela época, o
órgão indigenista chegou a registrar oficialmente que o patrimônio indígena
estava tendo suas riquezas exploradas por regatões, grileiros e posseiros.
Esta
situação, como se vê, ainda não acabou. Pelo contrário, ganhou como defensor do
processo de esbulho das terras indígenas o estado de Mato Grosso, arguindo na
ação acatada pelo ministro Luiz Fux que “não há dúvida de que, na data da
promulgação da CF/88, já não mais existiam índios Kayabi em território
mato-grossense, tomando-se o conceito jurídico de posse imemorial como
parâmetro”. Com isso, desconsidera o artigo 231 da Constituição, que define
“terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter
permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis
à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as
necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e
tradições”.
O
estado de Mato Grosso afirma que, em vez de grileiros, madeireiros e posseiros
reiteradamente flagrados em diversas operações de fiscalização ambiental
empreendidas pelo órgão federal de meio ambiente dentro da TI Kayabi, enxerga a
área como, na verdade, uma APA.
Em
janeiro de 2013, o governador de Mato Grosso criou dentro de uma terra
indígena reconhecida, identificada, declarada, demarcada e homologada a
Área de Proteção Ambiental (APA) Santa Rosa com 313 mil
hectares. Como se sabe, ainda que as APAs necessitem de gestão (e
gestores sérios) para cumprir com seu objetivo de conservar a natureza, elas
configuram-se como as unidades de conservação menos restritivas de todo o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), sem previsão de
desapropriação de ocupantes, entre outras facilidades.
A ação
que julga o mérito da questão ainda não foi apreciada pelo STF.
*
Colaboraram Ximena Morales Leiva e Juliana de Paula Batista.
quinta-feira, 14 de novembro de 2013
2ª reunião do Movimento Ipereg Ayu: mais um passo na resistência munduruku
Fonte: Amazônia em Chamas
Indígenas da etnia e parceiros de luta se encontraram para
organizar e discutir agenda das próximas ações contra a construção das
hidrelétricas
Foram cinco dias de conversas que se estendiam
pela noite. Justificável: é rara uma situação em que mais de 400 indígenas de
62 aldeias da etnia Munduruku tem a oportunidade de se encontrar para debater
{trocar experiências e relatos} a respeito dos impactos iminentes do projeto
federal que prevê a construção de barragens na região em que habitam.
Entre os dias 1 e 5 de novembro, diversas
representações deste povo – junto com parceiros, ribeirinhos também afetados e
órgãos como Funai e Ministério Público Federal – se encontraram à margem do rio
Tapajós, na aldeia polo base Restinga, para discutir os rumos do Movimento
Ipereg Ayu – organização indígena de luta contra a construção das hidrelétricas
previstas no PAC.
A pauta da reunião indicava a urgência desse
encontro. Feita de forma aberta, podendo qualquer Munduruku opinar ou adicionar
pontos, ela continha mais de vinte itens – tendo destaque no debate a
estruturação do movimento Ipereg Ayu e ações para o fortalecimento da
resistência ao projeto federal, firmando uma agenda autônoma de ações para
2014. Vale a pena ressaltar alguns direcionamentos e decisões que apontam novos
rumos na luta.
Associação Pusuru é extinta e transformada em
Da’uk
Desde a reunião claramente arbitrária realizada
em Jacareacanga, no dia 3 de agosto, parte significativa dos indígenas da etnia Munduruku já não se viam representados pela Associação Pusuru. A insatisfação
tem motivos. A referida assembleia trocou a direção da entidade desconsiderando
a opinião dos caciques – que nos mais de vinte anos de existência da associação
tradicionalmente eram os responsáveis pela escolha do corpo diretório. Ao invés
de se configurar numa reunião interna da etnia, o encontro contou com a
intervenção de vereadores e prefeitura de Jacareacanga, além de forte aparato
policial, inibindo a livre escolha participação dos Munduruku presentes.
Por conta disso, o movimento Ipereg Ayu
extinguiu a associação e criou uma nova entidade representativa para a etnia. A
Da’uk (que em Munduruku significa taoca, espécie de formiga conhecida por
caminhar em coletividade) teve sua diretoria escolhida pelos mais de 60
caciques presentes.
Integram a nova associação Ademir Kaba
(coordenador), Reginaldo Poxo (vice-coordenador), Ismael Akay (primeiro
secretário), Antônio Saw (segundo secretário), Edivaldo Poxo (tesoureiro),
Artemizia Manhuary (primeira fiscal) e Solano Akay (segundo fiscal). De acordo
com Josias Manhuary, chefe-geral dos guerreiros e coordenador da 2ª reunião do
movimento Ipereg Ayu, a partir de agora as reuniões da entidade ocorrerão
somente em aldeias. “Vamos trazer a Da’uk mais para perto da gente. Não temos
que nos encontrar na cidade, mas sim dentro do nosso espaço, sem a
interferência de ninguém”.
Com as novas mudanças, o Conselho Indígena
Munduruku do Alto Tapajós (CIMAT) também se renova e agora se chama Conselho
Indígena Munduruku Pusuru Kao do Alto Tapajós (CIMPUKAT), coordenado por Ceso
Tawe e com os demais conselheiros, entre eles, Francisco Waro, Raimundinho,
Samúna Fanesa Manhuary, Valderino Waro Patauazal.
No
link, veja a carta
divulgada pela Da’uk.
Movimento Ipereg Ayu
A estruturação do movimento Ipereg Agu teve
destaque nas discussões. Atuando desde o início de 2013, o grupo tem se
dedicado ao fortalecimento das bases de luta contra as hidrelétricas, em um
trabalho que visa principalmente à união do povo Munduruku em prol da
preservação de sua identidade e território, aspectos culturais ameaçados pelos
grandes projetos.
Neste percurso, o movimento cada vez mais tem
recebido apoio de lideranças locais das diversas aldeias situadas no Rio
Tapajós, Teles Pires, Rio das Tropas, Kabitutu, entre outros. Na reunião foi
decidida a permanência do mesmo grupo à frente do movimento, composto por
Josias Manhuary, Adalton Akay, Maria Leuza Kaba, Neuza Kirixi, Francineide
Koro, Reginaldo Kaba, Zenóbio Manhuary, Ana Poxo e Adailton Paygo, fotógrafo da
organização.
Decidiu-se também pela realização de duas
assembleias anuais, sempre realizadas em aldeias. E a próxima já tem data
marcada: dia 19 de abril, na aldeia Missão São Francisco, no Rio Cururu.
Outro assunto evidenciado nas conversas diz
respeito às legislações internacional e nacional que garantem direitos das
populações indígenas, como a Declaração das Nações Unidas sobre o direito dos
povos indígenas e a Convenção 169 da OIT – leis violadas pelo governo
brasileiro quando ignora a realização da consulta prévia, assunto abordado pelo
procurador-geral da república, Felício Pontes, na reunião. (Veja aqui mais
informações sobre o debate)
Também foi debatida a mudança da nomenclatura
“área” para “território mundurucu” ao espaço reconhecido pela população
indígena como local de existência e resistência histórica da etnia, além da
retirada dos brancos do mesmo.
De acordo com Josias, chefe-geral dos guerreiros Munduruku, a luta tende a se aprofundar com os novos passos do Ipereg Ayu. “Não
iremos desistir de lutar por aquilo que é nosso por direito. A própria
Constituição brasileira reconhece isso. Nossas águas, florestas, animais e
plantas são coisas sagradas, sem tudo isso nossa cultura será perdida. Então
iremos nos fortalecer para lutar pela nossa identidade e modo de vida.
Organizados somos fortes”, ressaltou o chefe.
Amazônia
em Chamas apresenta série sobre a Saga Munduruku
A partir desta semana, o blog Amazônia em Chamas
apresenta uma série de reportagens-relatos-entrevistas-transcrições com os
materiais produzidos durante a estadia da equipe na aldeia Restinga. Para
acompanhar, acesse nossa página www.amazoniaemchamas.noblogs.org.
Munduruku do Tapajós anunciam nova instância de representação
Fonte: Movimento Xingu Vivo Para Sempre
Após a realização de uma
Assembleia Geral convocada por caciques e lideranças no início de novembro, os
Munduruku, em franca oposição à construção das hidrelétricas do Tapajós,
anunciaram a reformulação de sua instância representativa, a Associação Pusuru.
A decisão foi tomada por
mais de 65 caciques e lideranças que juntos totalizaram mais de 400 Munduruku
reunidos em assembleia na aldeia Restinga. O povo declarou de forma enfática
que seguirá combatendo a construção do Complexo Hidrelétrico do Tapajós e
demais usinas nos rios da Amazônia.
Em carta divulgada nesta
segunda, 11 de novembro, os Munduruku afirmam que a Associação Pusuru, que
havia assumido a interlocução com o governo federal, foi reestruturada, teve o
nome mudado para Dau’k e sua diretoria alterada.
O documento também
reforça a preocupação dos indígenas com a entrada de não-índios, como
pesquisadores do empreendimento hidrelétrico do Tapajós, e garimpeiros, em seus
territórios.
Leia abaixo a
transcrição da carta:
Carta do Movimento Munduruku
Ipereg Ayu
Sawe! Comunicamos aos
amigos(as) e parentes indígenas e não indígenas que apóiam o nosso movimento
contra o grande projeto de destruição do nosso planeta
Terra, aquelas pessoas que lutam pela biodiversidade e contra a
violação de direitos humanos: a segunda assembléia do movimento aconteceu na
Aldeia Restinga. Sessenta e nove caciques e lideranças, junto com seus
guerreiros (as) participaram. E decidiram para retomar de volta a aldeia a
nossa organização Pusuru. E também foi mudado o seu nome e a sua diretoria. A
partir de agora o nome é Da’uk. Tivemos reunidos cinco dias, desde dia 1 a 5 de
novembro do ano de 2013. A principal pauta que foi mais discutida é a
destruição do meio ambiente, a entrada de brancos no nosso território, entram
sem autorização dos caciques das aldeias; e o fortalecimento dos
lideres dos guerreiros(as). Apoiaram mais entidades que lutam contra a violação
dos direitos humanos.
A terceira assembléia
será realizada no dia 19 de abril do ano 2014 na aldeia Missão São Francisco,
no rio Cururu.
Finalizamos esta carta.
Pelos líderes do Movimento Munduruku Ipereg Ayu.
Sawe!
Sawe! Sawe!
Atakoy
Moka Ibo
Jacareacanga, 11.11.2013
quarta-feira, 13 de novembro de 2013
Fotógrafos registram desmatamento da Amazônia brasileira
Fonte: Língua Ferina
Os fotógrafos Nacho Doce
e Ricardo Moraes, da agência Reuters, viajaram pela Amazônia registrando
diversas formas de desmatamento: extração ilegal de madeira, queimadas,
garimpos, a expansão da pecuária e das monoculturas de grãos na região Oeste do
Pará foram registradas em imagens de Santarém, Uruará, Novo Progresso, Castelo
dos Sonhos (distrito de Altamira, na região da BR-163) e Morais de Almeida
(distrito de Itaituba). Há ainda fotografias de outras regiões e registram a
construção de hidrelétrica no rio Teles Pires, a invasão de terras indígenas e
fornos para a produção de carvão.
Parte deste registro
pode ser visto AQUI.
Munduruku do Médio Tapajós pedem apoio para luta por demarcação
Sequer reconhecidos em sua existência pelo governo federal, enquanto são
ameaçados por um Complexo Hidrelétrico e por homens da Força Nacional de
Segurança, os Munduruku do Médio Tapajós estão divulgando uma carta em que
pedem apoio para a sua luta por reconhecimento territorial.
Para se ter ideia de como esse grupo está ameaçado, os mundurukus do Médio
Tapajós ocupam a margem esquerda do rio, na região da foz do rio Jamanxim, área
afetada diretamente pela hidrelétrica de São Luiz e até hoje sequer constam
como grupo identificado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).
Na carta, os indígenas exigem a
demarcação de seu território e narram a invasão do mesmo por madeireiras e
garimpeiros. A entrada de pesquisadores contratados para fazer os estudos de
viabilidade ambiental do Complexo do Tapajós também é apontado como o mais mais
novo problema enfrentado pelo grupo. “(...) o governo não tem respeito por nos
indígenas. Há muitos pesquisadores juntamente com a Força Nacional e Federal
intimidando indígenas a usufruir o seu próprio local”, afirma os indígenas em
trecho da carta que é assinada por quase setenta indígenas.
Os munduruku estão formando uma comissão de 30 lideranças
para ir até Brasília exigir a demarcação territorial e pedem apoio de todas as
entidades para deslocamento e hospedagem.
Confira a carta na íntegra AQUI.
MPF debate o direito à consulta prévia com índios Munduruku
Equipe esteve essa semana na aldeia Restinga, nas margens do rio Tapajós, para
reunião com 62 caciques do povo que resiste à implantação de hidrelétricas e
reivindica consultas
Uma equipe do Ministério Público Federal (MPF) visitou essa semana a aldeia Restinga,
nas cabeceiras do rio Tapajós, no oeste do Pará, para um encontro com 62
caciques do povo Munduruku. O objetivo da reunião foi debater o direito à
consulta prévia, livre e informada previsto na Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT). Além dos líderes de aldeias, estavam reunidos
mais de 400 homens, mulheres e crianças na assembleia em que os índios
debateram os projetos de hidrelétricas que o governo brasileiro quer fazer em
suas terras.
Na reunião, o MPF explicou aos índios o que está previsto nos 44 artigos da
Convenção 169, mostrando, entre outras coisas, que o direito à consulta foi
instituído visando assegurar a autodeterminação dos povos indígenas e tribais,
em oposição às anteriores políticas de assimilação, que buscavam extinguir as
culturas e modos de vida diversos daqueles da chamada “sociedade nacional”. “Se
o governo brasileiro não cumpre a consulta, está agindo de acordo com o tempo
que já passou, do assimilacionismo, desrespeitando o direito dos povos à
própria existência”, explicou o procurador da República Felício Pontes Jr, que
esteve na aldeia.
“Não são as pessoas que moram na cidade que podem decidir, somos nós, quem mora
dentro do mato, que caça, que pesca, que tem roça”, disseram várias vezes os
Munduruku durante o debate. “Os brancos falam que tem muita terra para pouco
índio e que nós não produzimos riqueza. Nós não entendemos pra que branco quer
produzir tanta soja, se no Brasil não se come soja. Nós não entendemos pra que
branco quer tanto dinheiro, se não vai poder levar dinheiro quando morrer. Nós
não entendemos vocês porque somos diferentes de branco. E queremos continuar
assim”, resumiu Ademir Kaba Munduruku.Ademir Kaba é um dos Munduruku que chegou
a estudar na universidade e conhece bem as leis que protegem os direitos
indígenas. O assimilacionismo, doutrina que pregava a assimilação dos povos
indígenas e tribais às sociedades envolventes, e portanto o fim de seus modos
de vida tradicionais e diversos, foi abandonado pelos organismos internacionais
em 1989, com a aprovação da Convenção 169 pela OIT. A consulta prévia, livre e
informada, nesse novo quadro de respeito à diversidade, dá aos povos o direito
de decidirem sobre o próprio futuro.
Boa fé
Poucos, entre os mais de 13 mil índios que vivem na região, falam português e,
por isso, toda a reunião contou com tradutores Munduruku. A tradução de estudos
e informações em língua indígena é uma das condições fundamentais para a
consulta prévia, livre e informada. Outra condição presente na Convenção 169 é a
boa fé e o respeito ao tempo e ao modo de ser da cultura do povo consultado. No
entendimento do MPF, da maneira como o governo brasileiro vem conduzindo os
projetos de usinas na Amazônia, não há intenção de fazer nenhuma consulta
realmente prévia. “Só se trata de consulta prévia quando a decisão ainda não
foi tomada”, diz Felício Pontes Jr. Para o MPF, os indígenas e ribeirinhos
precisariam ser consultados antes da resolução do Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE) que decide os locais dos barramentos. Todas as informações
sobre os procedimentos necessários para o licenciamento de uma hidrelétrica e
os momentos em que deveria haver consulta foram condensados em um fluxograma
que foi apresentado aos Munduruku e pode ser acessado aqui.
Assassinato
“A gente vem lutando desde a morte do nosso parente e os caciques não querem
que a gente desista, então a gente vai continuar defendendo os nossos direitos
e dos nossos filhos”, disse Maria Leuza Kaba, liderança Munduruku. Ela se
refere ao assassinato, um ano atrás, pela Polícia Federal, de Adenilson Krixi
Munduruku, da aldeia Teles Pires uma das mais atingidas por projetos de
hidrelétricas. Desde então, a situação entre os Munduruku e o governo federal é
de extrema tensão. O crime ainda não foi esclarecido e ocorreu durante uma
operação que combatia garimpagem ilegal na região.
Além da morte de Adenilson, há grande insatisfação entre os índios com a
militarização da região, promovida pelo governo brasileiro. “A gente nunca é
avisado quando vem a Força Nacional e a polícia, a gente já se assusta com a
zoeira dos helicópteros. Eu não vou parar de lutar, meu irmão foi morto”,
relatou João Krixi, irmão de Adenilson. Atualmente 300 homens da Força Nacional
estão baseados em Jacareacanga, a cidade mais próxima. Eles são constantemente
acusados pelos índios de fazer incursões em terra indígena.
Em resposta, os Munduruku já ocuparam e paralisaram duas vezes os canteiros de
obras de Belo Monte para reivindicar o respeito ao direito da consulta prévia e
se posicionar contra as usinas. Eles também expulsaram de suas terras
pesquisadores que trabalhavam nos Estudos de Impacto Ambiental das hidrelétricas.
A consulta prévia é uma obrigação do governo brasileiro, assumida com a
ratificação da Convenção 169 em 2004, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, mas não cumprida até hoje em nenhum empreendimento que afeta terras
indígenas e de populações tradicionais. No caso das usinas previstas para a
bacia do Tapajós, assim como no caso de Belo Monte, não houve consulta prévia.
Suspensão de Segurança
O MPF tem ações
judiciais para obrigar a realização da consulta para as usinas São Luiz do
Tapajós, São Manoel e Teles Pires. Todas as ações têm decisões favoráveis da
Justiça, mas os projetos continuam sendo tocados com base no instituto da
Suspensão de Segurança (SS) – em que presidentes de tribunais suspendem
decisões sem tomar conhecimento dos processos judiciais, por razões de ordem
econômica.
Esse instrumento jurídico-processual foi originalmente instituído em 1964, pelo
governo militar, para assegurar a supremacia dos interesses do regime sobre os
direitos sociais e fundamentais. Modificado em 1992, segue em vigor, sendo
utilizado pelos governos democráticos para os mesmos fins e com muita
frequência quando se trata de violações de direitos indígenas.
Atualmente estão previstas ou em construção 9 usinas nessa que é uma das
principais bacias hidrográficas amazônicas, com barramentos no Tapajós e em
seus formadores Juruena, Apiacás e Teles Pires. De todos os grandes rios da
bacia, apenas o Jamanxim ficaria livre de barramentos, de acordo com
declarações de autoridades governamentais em Brasília, pelo menos por enquanto.
Fonte: Ministério Público Federal no Pará - Assessoria de Comunicação
Ribeirinhos têm conquista histórica em área de barragens do Tapajós
Fonte: Blog do Sakamoto
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) selou o fim de uma luta histórica de uma centena de famílias
ribeirinhas da região oeste do Pará com a criação do Projeto de Assentamento
Agroextrativista (PAE) Montanha-Mangabal, garantindo o reconhecimento de um
território tradicionalmente ocupado há mais de 140 anos no Alto Tapajós. Se
chegou com, no mínimo, meio século de atraso, certamente veio em um momento
político surpreendente, considerando que as terras dessas famílias se situa em
área de influência direta de barragens planejadas para integrar o Complexo
Hidrelétrico do Tapajós. A história foi noticiada, nesta quinta, pela BBC.
Afinal de contas, para quem não sabe, Belo Monte foi
apenas um aperitivo de um rosário de dezenas hidrelétricas que estão planejadas
para serem construídas na Amazônia nos próximos anos.
Pedi para duas pessoas que conhecem de perto o
Montanha-Mangabal para contarem essa história. Natalia Guerrero,
jornalista e mestre em Geografia Humana pela USP, que cobre a luta dos
ribeirinhos de Montanha e Mangabal desde 2008, e Mauricio Torres,
doutor em Geografia Humana também pela USP. Sua dissertação de mestrado, “A Beiradeira e o Grilador”,
foi o resultado de sua pesquisa sobre a comunidade, e analisa a trajetória
histórica de oito gerações de ribeirinhos. Segue o texto:
O ano de 2013 foi um infeliz marco para a reforma agrária
no Brasil. Os números são de tal forma constrangedores, que o
governo acabou revendo suas próprias diretrizes e veio a público, em outubro, selar o
compromisso de assinar cem decretos de desapropriação de terras para a criação
de assentamentos, ainda este ano. De forma geral, como este blog muito bem
acompanha, vivem-se tempos de intensa oposição ao reconhecimento dos
territórios de povos e comunidades tradicionais.
No entanto, com esse quadro por cenário, uma região do
Brasil acaba de ser palco de um corajoso ato contra a corrente. No oeste do
Pará, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) reconheceu,
por meio da criação de um Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE), os
direitos de uma centena de famílias ribeirinhas do Alto Tapajós a seu
território, ocupado há mais de um século. A portaria de criação do PAE
Montanha-Mangabal foi assinada em setembro, e a
homologação das famílias beneficiárias foi concluída neste mês de outubro.
“Tenho muito orgulho de poder estar realizando e
encerrando uma luta dessa, dando direito a quem tem”, afirmou à BBC Luiz
Bacelar Guerrero Júnior, superintendente da SR-30, regional do Incra situada em
Santarém, e que abrange o Oeste do Pará. Quando questionado se os interesses
econômicos que pairam sobre o lugar foram um obstáculo na criação do
assentamento, Bacelar foi taxativo: “Não dei ouvidos. Fiz o que tinha que fazer
e pronto”.
Terras e águas de se cobiçar
- A modéstia do superintendente não se aplica: o PAE
Montanha-Mangabal está longe de ser um assentamento comum. Situado no município
de Itaituba (PA), e abrangendo 54.443 hectares, distribuídos ao longo de quase
70 km da margem esquerda do Alto Tapajós, o projeto se insere em uma região
marcada, historicamente, pelo assédio de diversos grupos econômicos –
grileiros, mineradoras, madeireiros. Nos últimos anos, foi a vez de o governo
federal voltar seus olhos às cachoeiras daquele trecho de rio, onde está prevista
a instalação de barragens do Complexo Hidrelétrico do Tapajós.
Mas ali não há só terra e águas para negócio, há também
território. Um território que vem sustentando o modo de vida de uma centena de
famílias ribeirinhas há mais de 140 anos. É esse manejo centenário, associado à
determinação do grupo em resistir às diversas ameaças sobre sua ocupação, que
se expressa em algumas das matas mais bem preservadas do Alto Tapajós.
Nesse sentido, a criação do PAE Montanha-Mangabal vem
selar o fim dessa longa luta, marcada por uma trajetória que oscila entre o
emblematismo e a quebra de paradigmas.
Como muitos extrativistas da Amazônia, a ocupação de
Montanha e Mangabal remonta à exploração da borracha na segunda metade do
século 19. Por meio da incorporação – barbaramente violenta – de mulheres
indígenas à vida nos seringais, incorporou-se também uma matriz de conhecimento
que permitiu a adaptação às condições impostas pela floresta, quando o comércio
do látex cessou.
Desde então, os moradores daquele lugar testemunharam a
ascensão e queda de diversas atividades econômicas, como o comércio de pele de
felinos e o garimpo, iniciado em meados dos anos 1970. Nesse período, a criação
do Parque Nacional da Amazônia, em 1974, significou a expulsão de muitas das
famílias extrativistas que ali viviam. Concentradas rio acima, resistiram.
No início da década de 2000, a batalha foi contra uma
empresa paranaense, autora de uma das maiores fraudes fundiárias já
registradas. Por meio de uma sofisticada manobra jurídica, a empresa se
declarou proprietária de 1.138.000 hectares na região de Itaituba, o
equivalente a quase oito cidades de São Paulo. No meio da terra grilada,
estavam as famílias de Montanha e Mangabal – ou os “invasores”, segundo
declarava a empresa.
A resistência dos ribeirinhos permitiu a realização de uma
extensa pesquisa genealógica que comprovou que os “invasores” tinham oito
gerações, nascidas e enterradas naquele lugar. Com apoio do MPF, obteve-se a
interdição da vasta área a qualquer pessoa que não fosse das famílias de
Montanha e Mangabal. Uma interdição desse tipo, em uma área que não fosse de
ocupação indígena ou quilombola, foi algo sem precedentes na história do
Judiciário brasileiro.
Mas não era a última batalha. Para formalizar seu direito
àquela terra, os beiradeiros passaram a reivindicar, então, a criação de uma
Reserva Extrativista no local, instrumento que garantiria sua ocupação, bem
como lhes daria acesso a créditos para agricultura e, até mesmo, melhores
condições para demandar atendimento médico e escolar à comunidade.
Todos os estudos necessários à criação da unidade de
conservação ambiental foram realizados a contento, mas a Resex não saiu. A
minuta do decreto de criação, que deveria ser assinado pelo então presidente
Lula, não foi mais longe que as mãos da então ministra da Casa Civil, Dilma
Rousseff. O motivo estava em um ofício do Ministério de Minas e Energia (MME),
endereçado em 2008 à Casa Civil: “A Resex Montanha Mangabal causará
interferência em qualquer uma das alternativas causadas visto que as
alternativas estão inseridas na área proposta para a unidade de conservação.
Desta forma, conclui-se que a unidade não deva ser criada”.
Frustrados em seus desígnios de reconhecimento, com a
perspectiva de ter de abandonar seu território centenário, a resistência dos
ribeirinhos de Montanha e Mangabal arrefeceu, mas não cessou. Ante a sequência de desrespeitos no andamento
dos estudos para as barragens do Tapajós, uma aliança histórica foi
selada com os vizinhos Munduruku, cujo território também sofrerá impactos com o
barramento.
É nesse contexto que vem à tona a surpreendente notícia de
criação PAE Montanha-Mangabal.
Terra para ficar - “É
a primeira vez na história do País que o governo federal reconhece a
ancestralidade da história daquelas comunidades e as trata como titulares de
direitos fundamentais, em especial titulares de direito à terra”, disse à BBC
Felipe Fritz Braga, procurador da República que deu início aos procedimentos no
sentido do reconhecimento dos direitos das famílias de Montanha e Mangabal.
Para o procurador, a coesão da própria comunidade teve importância fundamental
nesse processo. “Montanha-Mangabal hoje tem uma existência política clara.
Estiveram no Congresso Nacional há alguns anos e se manifestam regionalmente
sobre políticas públicas. A criação do projeto agroextrativista é sem dúvida
importante para a proteção do território, mas não é de fato uma criação – é, na
verdade, um óbvio e devido reconhecimento”.
Para Ticiana Nogueira, atual procuradora da República em
Santarém, a criação foi certamente um marco na luta pelo reconhecimento de
territórios tradicionalmente ocupados. “O governo andou muito bem neste caso,
que já tinha o devido reconhecimento judicial, uma vez que a área já era
protegida por decisão judicial, mas carecia da decisão política final do
governo federal.”
Pouco a pouco, a notícia de criação do assentamento vai
subindo o Tapajós, envolvida em orgulho e expectativa. “Eu vejo isso como
resultado da nossa luta”, defende Simar Braga dos Anjos, uma das antigas
lideranças mais ativas na luta pelo reconhecimento dos direitos das famílias de
Montanha em Mangabal e pela cobrança da presença do Estado na garantia desses
direitos. “Eu digo que dependemos, sim, do governo, mas não em termos de
sobrevivência. Nada de cesta básica, essas coisas. O que o povo precisa lá é
saúde, escola. O governo se esqueceu de nós ali. É isso que eu sempre cobro, e
eu acredito que o assentamento nos dá mais condições de correr atrás disso”.
Mais um filho dessa comunidade do Tapajós, a situação de
Tarsis Cardoso sinaliza um exemplo do tipo de consequências dessa falta de
políticas públicas. O ribeirinho mudou-se para a sede de Itaituba há alguns
anos para que a filha, Sâmila, pudesse seguir na escola. “Muita gente saiu por
causa do estudo”, conta. Cardoso é da opinião de que as políticas são
consequência da importância da ocupação de sua comunidade. “É uma forma de
mostrar que há muitas gerações que nasceram e se criaram ali e que dependem
dali pra sobreviver”, avalia o beiradeiro, que mantém fortes vínculos com a
terra onde ainda moram seus pais.
Para a pequena Sâmila, de sete anos, os meses são muito
longos quando se trata de esperar as férias escolares, oportunidade que tem
para visitar o pedaço de rio tradicionalmente ocupado por sua família. É lá que
pode se dedicar, junto com os primos e vizinhos do beiradão, a seus passatempos
preferidos, como ouvir os bichos da mata, pescar e ouvir histórias dos mais
antigos. “Ela gosta mais é de história de rio, que o pessoal conta”, relata
Cardoso. “Às vezes ela fica na beira do rio, pescando, o pessoal passa [e diz]:
‘Olha, cuidado, outro dia o fulano falou que o bicho ia levando a mulher’. Ela
fica só sorrindo.”
As histórias de que gosta Sâmila mostram como os aspectos
daquele modo de vida têm uma relação muito forte com aquele território, tal
como segue manejado até hoje pelas famílias de Montanha e Mangabal. “São
centenas de pessoas que sabem pescar, lavrar terra, coletar frutas que a
floresta oferece para nós. São memórias dos parentes enterrados. Ali existe uma
história muito bonita”, diz seu Simar.
A esquizofrenia do governo
- Em maio de 2012, Mauricio Tolmasquim, presidente da
Empresa de Pesquisa Energética (EPE), corporação pública ligada ao Ministério
de Minas e Energia (MME) ofereceu uma especial demonstração de desrespeito ou
ignorância em relação às comunidades tradicionais de Montanha e Mangabal. Ao
falar dos projetos pretendidos para as barragens de São Luiz do Tapajós e
Jatobá, Tolmasquim aludiu à inexistência de “ocupação humana”
nos locais de pretensão das obras.
Pouco mais de um ano depois, o mesmo governo federal não
só admite a existência da comunidade tradicional de Montanha e Mangabal como
lhes reconhece formalmente o direito a quase 70 km ao longo das margens do rio
Tapajós que seriam inundadas e devassadas por uma barragem.
Terá o governo decidido parar de reproduzir o discurso do
colonizador – revisitado nos tempos da ditadura militar – da “terra sem
homens”? “Sem homens” porquanto se relega à condição não humana toda uma
população, claro. Poderão os povos e comunidades tradicionais dessa região
contar com o respeito do governo com relação às convenções e tratados
internacionais dos quais é signatário? Esperamos não assistir, nos próximos
dias, ao cancelamento da portaria de criação do PAE Montanha-Mangabal
alegando-se uma tecnicalidade qualquer. Com esse histórico, seria de uma
violência extremamente atroz, mas pouco surpreendente.
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