Entrevistas com o ex-presidente da Funai Eduardo
Almeida
Entrevistas com o ex-presidente da Funai Eduardo Almeida
O
primeiro presidente da Funai na era Lula ficou no cargo um semestre. Segundo
ele os empreendedores e produtores rurais no Brasil não são contra os povos
indígenas e o reconhecimento de seus direitos
publicado 04/10/2013
Eduardo Aguiar de Almeida foi o primeiro presidente da Funai da era
Lula. Ficou no cargo um semestre, de fevereiro a agosto de 2003. É indigenista,
jornalista e agricultor. Como técnico indigenista, foi formado pela Funai em
1979 e trabalhou entre os Karajá, Munduruku, várias etnias da Bahia, várias
etnias de Roraima e do Oiapoque (Amapá). Diz que perseguido junto com dezenas
de colegas pela gestão do coronel Nobre da Veiga em 1980 e depois anistiado em
1993, "mas virtualmente posto na geladeira e virtualmente forçado a me
exonerar em 1995". "Sou hoje um pequeno agricultor-criador, residindo
em minha pequena propriedade rural no interior da Bahia".
Segundo ele, na entrevista abaixo, "os empreendedores e produtores
rurais no Brasil, não são necessariamente ou ideologicamente contra os povos
indígenas e o reconhecimento de seus direitos". Uma distinção, portanto,
se faz necessária: "não se pode confundir o discurso ideologizado e
radical de algumas lideranças oligárquicas e capitalistas do campo com o
conjunto dos chamados produtores". O momento, no entanto, é delicado, e,
para Almdeia, "o Brasil mergulha, como vem ameaçando fazer, num fosso
obscuro e é bem possível pensar que isso vai gerar tensões absurdas".
CartaCapital: O que está
acontecendo hoje, como explicar esse ataque aos direitos indígenas?
Eduardo Aguiar de Almeida: "O que
está acontecendo", quero crer, é uma grave e lamentável cooptação
ideológica e política de parte importante da esquerda brasileira por setores os
mais reacionários, conservadores e excludentes da sociedade brasileira por
razões que, às vezes, parecem claras e, às vezes, enigmáticas. De um lado há um
equívoco tremendo, primário, de alguns dirigentes políticos dos Governos Lula e
Dilma em que consideram que é preciso tratar bem o agronegócio e outros setores
que geram divisas para o país e acham que para isso é necessário,
indispensável, na prática, negar direitos adquiridos, inclusive
constitucionais, de povos indígenas e quilombolas, e assim, também, garantir a
governabilidade com maioria num Congresso composto desproporcionalmente por
forças conservadoras, etc. Na verdade, não é bem assim. Os empreendedores e
produtores rurais no Brasil, não são necessariamente ou ideologicamente contra
os povos indígenas e o reconhecimento de seus direitos, sobretudo os
territoriais. Grande parte dos empreendedores rurais, mesmo muitos grandes e
médios, quer apenas produzir, auferir renda líquida de sua atividade, se
defender contra as oscilações econômicas e não conflitam com direitos indígenas
e quilombolas. Não se pode confundir o discurso ideologizado e radical de
algumas lideranças oligárquicas e capitalistas do campo com o conjunto dos
chamados produtores. Quanto aos parlamentares, sabemos também que nem todos os
integrantes da bancada ruralista são radicais e ideologizados. De outro lado,
há enigmas no ar, sim. Não sei dizer se ligados a fatos e compromissos
políticos de pouca visibilidade pública, como financiamento de campanhas.
CC: Qual a ameaça
dessas mudanças legislativas (PEC 215, PLP 227) para o futuro?
EAA: Vejamos: a PEC
215 e o PLP 227 teriam entrado em pauta lá atrás, talvez ainda no governo FHC,
quando, em tese, o ruralismo oligárquico radical estava no poder, mas só agora,
já na terceira gestão da chamada "era Lula", doze anos de poder do
Partido dos Trabalhadores, são tocados incisivamente no Congresso. Em parte,
ainda estou respondendo à primeira pergunta. Claro, ambas as iniciativas
legislativas consagram a lógica perversa e retrógrada do colonialismo de 500
anos, da sociedade racista, excludente, autoritária. Seus propositores e
agitadores acham campo para tocar essas coisas. Eles entendem que um governo
que distribui renda, reduz a pobreza, retoma o crescimento do PIB e afirma o
país no exterior fazendo vistas grossas à questão democrática e aos direitos
humanos, é um governo deles. A ideia d e "Brasil Grande", mesquinha e
inadequada no mundo atual de tantas emergências democráticas e ambientais, e de
um desenvolvimentismo a qualquer custo, superado, empolga e une reacionários e
pretensos esquerdistas deslumbrados. Se iniciativas como essas e outras passam,
o Brasil mergulha, como vem ameaçando fazer, num fosso obscuro e é bem possível
pensar que isso vai gerar tensões absurdas, com efeitos imprevisíveis, mas
seguramente nada bons.
CC: Como esse
processo de força contrário aos índios se tornou tão poderoso e influente?
EAA: Em parte essa
pergunta já está respondida acima. Acrescento apenas a lembrança de que o
Programa de Governo colocado na campanha de Lula em 2002 se dizia calcado em um
tripé, ou três "eixos", que eram, em síntese: desenvolvimento
econômico, distribuição de renda e aprofundamento democrático. Ainda em 2003,
vimos o terceiro eixo ser solenemente enterrado vivo às escondidas. Sepultado
sorrateiramente. De repente ninguém mais falada nisso. E foi isso mesmo que
aconteceu. Não fizeram reforma política até hoje, não fizeram reforma agrária e
ainda resolveram fazer corpo mole em relação a direitos humanos, direitos
indígenas e coisas tais.
CC: O que pode ser
feito? Ou o que deveria ser feito no Brasil?
EAA: A situação é
muito grave. Aos poucos se nota que muita gente que apoiava o lulismo
incondicionalmente, quase que religiosamente, começa a perceber que as manchas
são muito mais agudas do que antes supunham. Há uma maioria de lideranças e
consciência democrática e pluralista neste país, muitas com alguma influencia
política que vem sendo despertada para essas questões e devem continuar a ser
despertadas mais e mais. O movimento indígena, assim como outros movimentos
étnicos, democrático-pluralistas e anti-racistas, que no Brasil enfrentam
dificuldades grandes de articulação e mobilização em face das dimensões do
país, da falta de apoio de mídia e das fracas alianças sociais, tem crescido e
tende a crescer mais e mais, em tempos de internet, redes sociais,
manifestações espontâneas e tudo o m ais. Os processos que envolvem os
"muito oprimidos", os "mais excluídos", são quase sempre
difíceis mesmo, mas acabam avançando, como agua mole em pedra dura. O que seria
desejável e jogo sempre esperanças nesse sentido, é que a campanha presidencial
e parlamentar do ano que vem ponha foco na questão dos direitos indígenas;
ousem colocar esse tema no grande debate nacional. Se candidatos como Eduardo
Campos e Marina Silva o fizerem com espírito público e democrático irão somar
pontos, mostrar sensibilidade ao "clamor das ruas", estou certo
disso.
CC: Por que não
conseguiu ir mais adiante enquanto esteve na presidência? Algum lamento,
frustração?
EAA: Naquele
contexto era realmente impossível ir mais adiante, tanto no tempo de
permanência como, sobretudo, na gestão da política indigenista. Não havia chão,
respaldo, o tapete estava puxado, o velho esquema da instabilidade mafiosa fora
liberado para inviabilizar o cumprimento dos "Compromissos com os povos
indígenas" que a campanha Lula 2002 havia acatado e publicado. O
"Compromisso" era um documento bom, avançado, modéstia a parte, e a
traição a ele é um fato a se lamentar. José Dirceu, Palocci e outros estavam de
braços dados com ACM, Romero Jucá e outros tantos. Não surpreende que após
minha exoneração o Governo tenha indicado um amigo de Romero Jucá para ocupar o
cargo. Denunciada publicamente a jogada, o governo nomeou um anti-petista
confesso, militante do PPS, e o manteve por longo tempo no cargo.
CC: E alguma
esperança? Qual?
EAA: Acredito que
há esperança sim. Tenho fé no povo brasileiro, na humanidade em geral. Quando
Dilma assumiu, eu nutri esperanças, achando que pior do que estava não podia
ficar; e acabou piorando. Incrível isso. Mas não há mal que dure para sempre.
Os racistas e anti-indígenas estão subestimando o nosso mundo. A questão
indígena hoje é tema importante nas Nações Unidas. Os povos indígenas do Brasil
não estão sós neste mundo. Aliás, precisam, a meu ver, articular mais a nível
continental e internacional. Da mesma forma, o conceito e a bandeira da democracia
plural se ampliam no mundo e o Brasil, visto lá fora até como exemplo de país
multiétnico simpático e cordial, não vai ficar imune a essa onda libertadora e
humanista. De 2005 a 2007 tive a honra de cumprir mandato no Foro Permanente de
Assuntos Indígenas da ONU e posso testemunhar que de início, via um entusiasmo
quase unânime em relação a Lula e seu governo entre as lideranças e quadros do
movimento indígena internacional. Em 2007 já se observava uma visível decepção
e triste desilusão. Acho que a Presidenta Dilma e seu núcleo de poder têm
diante de si a opção de cair na real, fazer profunda autocrítica, corrigir
rumos enquanto é tempo, para não caírem no fosso da História.
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Gestão Dilma
é a pior da história para o meio ambiente, diz ambientalista
O
geógrafo Mario Mantovani trabalha há cerca de dez anos como uma
espécie de "lobista da natureza" no Congresso Nacional.
Diretor de
políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, ele tenta influenciar
os projetos relacionados ao tema e coordena informalmente a chamada Frente
Parlamentar Ambientalista, fórum com adesão de 187 dos atuais congressistas
para debater assuntos da área em reuniões semanais.
Militante da causa
desde 1973, conhecido como um dos mais ativos ambientalistas do
país, Mantovani não parece medir palavras para expor suas opiniões.
A reportagem é
de Ricardo Mendonça, publicada pelo jornal Folha de S. Paulo,
19-01-2014.
Diz, por exemplo,
que a presidente Dilma Rousseff faz o "pior governo da
história" para o meio ambiente. Que a aliada Marina Silva não deveria
ter ido para o PSB. Ou que o melhor parceiro dos ambientalistas em Brasília é o
deputado Zequinha Sarney, filho do ex-presidente que ostenta alta rejeição fora
do Maranhão.
Nesta entrevista
ele discorre sobre alguns dos principais problemas ambientais do país e conta
que, a exemplo do que já fizeram os fazendeiros, os ambientalistas também irão
sentar com todos os candidatos à presidência para listar suas reivindicações. O
senador Aécio Neves (PSDB-MG) foi o primeiro deles.
Eis a
entrevista.
O
ex-ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) disse o assédio dos candidatos à
turma do agronegócio nunca foi tão forte e antecipado. O que achou?
É verdade. Acho que
o Roberto tem toda a razão quando fala do volume econômico. A situação
do Brasil não é boa, a indústria está ruim. Hoje, o que está bombando são as
obras públicas, Copa do Mundo e esses eventos, e a
indústria da construção. Mas é coisa que circula aqui dentro, o Brasil não faz
caixa. E o que a gente viu agora foi que esse dinheiro do agronegócio realmente
cresceu muito também. O Brasil está cada vez melhor no agronegócio. E é muito
bom isso. Onde está o problema? É que isso é uma commodity. A decisão não é aqui.
O valor da commodity é decidido na Bolsa de Chicago, em Nova York. Eles já
ficam com o radar ligado, olhando o clima, tudo. E isso cria impacto para todo
lugar.
Mas e a
política?
Quem está fazendo
política em Brasília, como eu faço, vê que não é assim. Esse setor [agrícola] é
o que mais tem voto de cabresto ainda. É o que vive especificamente de seus
currais eleitorais. É o político de Ribeirão Preto que mantém lá todo
um grupo ligado a ele, as cooperativas, tudo isso. Esse pessoal sempre esteve
ligado à política partidária. Mas antes era cada feudo para o seu lado. Dessa
vez o governo está vendo [o agronegócio] como uma grande força. Vem da luta em
torno das mudanças do Código Florestal. Eles [os fazendeiros] se mostraram
muito mais eficientes para fazer política do que se mostravam antigamente.
Como foi
essa virada?
Os ruralistas
acharam um governo que aceitou a chantagem. Até então, essa chantagem se
repetia: "Se vocês não fizerem tal coisa, não vai ter comida",
diziam. "Se não fizerem isso, o Brasil vai ficar nos rincões". Mas o
governo não entrava nisso. O governo dizia: "pare de encher o saco, quem
está bancando vocês sou eu."
Com crédito?
Com crédito
agrícola. Que nunca foi tão alto como agora. R$ 150 bilhões hoje.
E quando
mudou?
Quando o governo
precisou refazer essa base eleitoral. Nós tivemos uma baita crise com a base,
que foi o mensalão. Qual é o setor mais suscetível e que mais precisa do
governo para funcionar? É o setor agrícola. Se não tiver o crédito, não vai
para frente. Eles têm direito a isso [ao crédito]. Só que no Brasil não
funciona assim, com direitos. Funciona com quem é mais próximo do poder, aí tem
menos burocracia. Como o mensalão quebrou as pernas do governo – repare que na
base do mensalão não tinha ninguém do meio agrícola, era tudo gente das regiões
metropolitanas –, o governo, para refazer a base, buscou os ruralistas. Até
então eles não tinham expressão nenhuma. A gente entrou com esses caras em
muitas brigas, inclusive sobre o Código Florestal, e eles nunca levaram.
Fizemos o Mais Ambiente (programa de cadastro rural), a Lei da
Mata Atlântica, a Lei dos Crimes Ambientais, a Lei das Águas e
outras. Com alguns deles votando com a gente, inclusive. Mas com a crise do
mensalão, quando o governo buscou uma nova frente de apoio, aí começaram as
negociações. E aí eles descobriram que poderiam ir avançando.
Dê um
exemplo desse avanço. Como é na prática?
Ocorreu
no Código Florestal. Eu participei de cada detalhe da tramitação. Então
cada vez eles colocavam um bode na sala. "Nós queremos que acabe com a
função social da terra". Não dava, o PT não poderia trair assim.
"Então exigimos meia função social da terra", diziam. Aí o PT foi
fazendo, fazendo, cedendo. E teve o papel do neocomunista Aldo
Rebelo (deputado do PC do B-SP), que foi presidente da Câmara, sabia como
funcionava a Casa. Eles já tinham conquistado uma coisa que o governo comeu a
maior bola, que foi uma comissão especial para tratar do Código. Com isso, não
passaria mais por outras comissões. A Força da CNA (Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil) era muito violenta também,
a CNA estava bancando todos os eventos do governo. Então eles avançaram
muito.
As disputas
não ficaram só sobre o Código, certo?
Eles perceberam a
força que tinham no episódio do Código. E aí continuaram as pressões:
"queremos mais dinheiro para o crédito", "queremos agora estrada
para levar a produção". Então, além de estarmos bancando R$ 150 bilhões de
crédito agrícola, você tem dinheiro do governo hoje para fazer infraestrutura,
para fazer mais cidades e até algumas insanidades. Exemplo é o caso dos
motoristas de caminhão que tinham que descansar de duas em duas horas. Os caras
derrubaram isso, porque agora o caminhão de soja tem de sair
de Rondônia e bater em Paranaguá (PR) o mais rápido
possível. E tem o dinheiro que começa a financiar caminhão, também fora do
crédito agrícola. Uma estrutura nova do Brasil.
Mas muito
disso é legítimo, não? Qual é o grande problema?
A grande sacanagem
é ver tudo isso avançando em cima de área pública. E avançando numa frente na
floresta. E conforme avança, uma área fica para trás, vazia. Essa área fica
para especulação.
Como isso
ocorre?
Vamos pegar
na Mata Atlântica. Dos 90% que foram abetos, só 40% tem alguma atividade
econômica em cima. O resto é especulação: região metropolitana, expansão das
cidades. E muita área abandonada. Qual é o jeito de abandonar? Põe pasto.
Quem conduz
isso hoje?
Não são as mesmas
oligarquias de antes, as velhas oligarquias. Isso mudou. São as novas
oligarquias do crédito. Tem os melhores, como o
próprio Blairo [Maggi, produtor de soja e ex-governador do Mato
Grosso], que se diz ambientalista. Ele já desafiou os caras: "eu cumpro a
lei e faço mais".
Mas é
bravata ou é real?
É real. Ele está
além da conta. Na reserva legal [parte preservada da mata que toda fazenda
precisa ter], ele está acima. E muitas empresas acabaram fazendo isso. Também
porque colocaram como ativo: "eu protejo", "eu sou o cara que
mais protege". Isso funciona como marketing.
E isso não
racha o setor?
Ainda não. Mas vai
rachar. E não é uma questão de estar ou não estar do lado dos ambientalistas. É
uma tendência, não tem jeito, não volta mais.
Quais são as
contas que vocês fazem?
É assim: Dos 860
milhões de quilômetros quadrados que tem o Brasil, há 5,5 milhões de
propriedades que dizem que são donas de 560 milhões de hectares. Só que em 60
milhões de hectares é onde está a agricultura. Dentro disso você tem uns 25 ou
30 milhões de soja, 10 de cana, 7 de celulose e vai indo até a abobrinha. E tem
200 milhões de hectares para pasto. Para 200 milhões de bois. Bom, então toda a
atividade econômica da agricultura está concentrada aqui: 260 milhões de
hectares, somando a plantação e o pasto. Já não é um bom negócio, pois nessa
conta dá um boi por hectare. Hoje, para ser uma pecuária boa, você precisa de
três bois por hectare. Mas a questão é outra. Se eles têm 560 milhões de
hectares e usam 260 milhões, onde está o resto? Cadê os 300 milhões de hectares
restantes?
Onde está?
Na mão de
especulação. Terras devolutas, Unidades de Conservação, Terras Indígenas. E tem
outras coisas que eles não falam. Você tem 30 milhões de hectares para a soja.
Se o cara de Chicago descobre que agora vai ter dois bois por hectare
e, portanto, vai sobrar 100 milhões de hectares, isso não quer dizer que vai
dobrar a produção de soja. Porque se fizer isso, o preço cai. Esse número [30
milhões de hectares para a soja] é contadinho, não vai crescer. As próprias
produtoras de semente param de vender. Não vão arriscar. Então, na realidade
estamos fazendo a conta mais imbecil. O Brasil fica falando de "uma
agricultura que vai produzir alimento para o mundo, nós queremos
expandir..." Não vai expandir. Está no limite. Celulose está no limite,
cana no limite, soja no limite. Só não está a abobrinha. E desses R$ 150
bilhões do crédito, não chegam R$ 15 bilhões para a agricultura familiar. E
mais uma coisa: 80% dos proprietários têm menos de 20% das terras. E 20% têm
80% da terra. Então é essa desigualdade toda. E é essa a bancada que partiu
para a chantagem com o governo. E o governo aceitou.
E o dinheiro?
Para ver como
funciona eu fui agora lá no Agrishow comprar equipamento. Em 2012,
fui com o balão "Veta Dilma" [sobre o Código Florestal] e fizemos um
barulho (risos). Agora eu fui comprar. Apareci lá falando que estava precisando
comprar colheitadeira de cana, todo o equipamento, caçamba, tudo aquilo. Aí
falei: "Como é que assina esse financiamento aí? Minha propriedade tem
todos os problemas ambientais, como eu faço?". Sabe qual foi a resposta?
"Seus problemas acabaram!" (risos). Disseram: "Você vai receber
sua máquina em um ano, vai pagar tanto, esquece o problema
[ambiental], Código Florestal... E se você precisar de uma [picape] Amarok
aí, para ir quebrando o galho, pode pôr na mesma conta, vai receber na
hora". E assim era com Toyota Hilux, tudo. Era uma grande farra do
dinheiro. Eu fui de agroboy lá, bota, aquele fivelão no cinto (risos). Os caras
não perguntavam quem eu era, nem nada. Tem CPF, faz negócio.
Difícil
imaginar que o Brasil deixará de ser fornecedor de produto básico. O que
deveria ser feito?
Nós não vamos
mudar, deixar de ser um país de commodity. Vai continuar assim, como já era
desde 1500. O ciclo do ouro, o ciclo da borracha, o ciclo do café, depois o da
cana. Agora tem o da soja. A nossa visão é que agregue nessa commodity a
questão ambiental. Então se você comprar uma tonelada de soja do Brasil, você
estará levando biodiversidade, porque tem corredor de biodiversidade formado
pela APP (Área de Preservação Permanente), tem reserva legal de 20%, está
protegendo floresta, tudo isso.
Mas o chinês
está preocupado com isso? Vai pagar?
Você tem um mercado
maior que o chinês. Para ele tanto faz comprar da Argentina ou o
excedente dos Estados Unidos. E a tonelada de soja no Brasil pode custar a
mesma coisa. A soja brasileira tem de ser conhecida no mundo. Como foi com o
café. O café do Brasil era uma marca, todo mundo sabia que era o melhor por
isso ou aquilo. O Brasil precisa pôr uma marca no mundo dizendo "somos
produtores de alimento, o celeiro do mundo, mas o celeiro que protege a natureza".
O que tem hoje? O que há é uma diplomacia reativa. Como é que o Brasil não leva
isso para uma conferência? Poderia dizer "olha o que temos de reserva
indígena, olha o que temos de parque".
O que o
Brasil fala?
O que a diplomacia
fica falando? Fica dizendo assim: "O Brasil não destrói índio". É
reativo, percebe? Poderia fazer assim: "Compre tudo o que é feito
no Xingu que é para proteger o Xingu. Todos os proprietários lá
fizeram a reserva legal e estão fazendo a proteção dos rios com mata, tudo
legal". É isso que o Brasil tem. Como eu achei que iria acontecer com o
etanol, mas não aconteceu. A Unica (União da Indústria de
Cana-de-Açúcar) fez um trabalho maravilhoso, projetou, foi com escritório lá
fora e tudo. O que aconteceu? Murchou. Aqui dentro não teve suporte.
O ex-presidente
Lula tratava como prioridade. Pelo menos no discurso, não?
O Lula dava
suporte, mas esse governo não deu. Esse governo foi atrás do [petróleo da
camada] pré-sal, fez uma aposta que até agora não aconteceu e está aí hoje a
conta para ser paga. O que fez a celulose? Perguntaram: "O que é que tem
no mundo aí que é bom? É o FSC (Forest Stweardship Council), a
certificação florestal? Hoje todo mundo é FSC no Brasil. Falaram assim:
"Tem alguma coisa mais para cima que FSC no mundo? Não? Então é isso,
somos isso".
As empresas
mudaram?
Pegue
a Veracel [empresa de celulose], que foi minha inimiga mortal 20 anos
atrás, lá no sul da Bahia. Eu fui em audiência lá em que o pessoal dizia
"lincha". Hoje a Veracel tem 120 mil hectares protegidos e
90 mil plantados. É muito mais que o necessário. Eles têm o FSC, que o
melhor do mundo, e estão além da lei [na proteção]. Aí você pegaParque Nacional
Monte Pascoal, Parque Nacional do Descobrimento e Parque
Nacional do Pau Brasil. Esses três parques não somam 80 mil hectares. Estão
abandonados, sem gente. Por que uma empresa mantém 120 mil hectares, não pega
fogo, ninguém invade? São 120 mil de mata nativa, mata de primeiríssima
qualidade. E os parques do governo, na mesma região, estão cheios de problemas.
Por que o governo não consegue proteger? Aí está a prova. O Estado é a coisa
mais fácil de detonar. Estão lá os políticos fazendo média, botando família
para invadir, movimento de sem terra resolve brigar com o governo e invade,
índio resolve brigar e invade o parque. E o governo não tem gente para cuidar.
Fale mais
dessa história da Veracel.
Eles tinham fama de
terem sido detonadores. Foram. Foi provado. A SOS [Mata
Atlântica] pegou os caras lá, abrimos uma ação contra eles. Então o que
eles fizeram? "Bom, vamos mudar a imagem". E o governo também teve um
papel nisso. Quem financiou? Quem é que falava para os caras que o
licenciamento era picareta? O ACM (Antônio Carlos Magalhães,
ex-senador e ex-governador da Bahia) dizia assim: "Pode meter o trabalho,
vai, faz, aqui quem manda sou eu". Os caras foram nessa, se ferraram. Hoje
é da Votorantim. Fibria, como chamam. É nota dez. Eu prefiro
trabalhar com a Fibria em qualquer circunstância. Tudo top. Na
celulose, todos têm reserva legal, como exigem, todos têm APP. E ajudam
nós nas brigas. Tanto que não entraram no debate do Código
Florestal com os ruralistas. Claro que não. Se entrar nisso, não
certifica. E quem dá o certificado não é o governo, é entidade internacional.
Disseram o seguinte para os parceiros deles: "Por que vocês não querem
fazer, se nós fizemos?" Aí o pessoal respondeu: "então vocês não
entram na briga [pela mudança do Código], porque nós vamos brigar".
Depois de
vários anos em queda, o desmatamento voltou a crescer. Qual é a explicação?
É a prova da má
gestão. Eu estou há 35 anos em ONG. Não estou em partido nenhum, nunca tive
nenhum vínculo. O que eu vejo que aconteceu? Eu digo: para o meio ambiente,
este é o pior governo da história. Porque o Lula pelo menos
incorporou, colocou a Marina Silva [no ministério do Meio Ambiente],
fez avanços. A lei da Mata Atlântica, por exemplo, foi com o Lula.
A Dilma simplesmente passou o trator em cima de tudo. Não tinha o
desmatamento na Amazônia porque tinha o controle muito maior, toda a fiscalização.
Com o desmonte da Dilma nesses anos, mudou. E a projeção de
desmatamento é muito maior daqui para a frente. Ela abriu todos os controles. O
desastre que a Dilma causou vai ser uma coisa para os próximos 10, 20 anos.
Dê exemplos.
O orçamento do
ministério. É o pior. Como é que você quer que o ministério que faz
licenciamento trabalhe se você não tem um técnico para análise? Acabou com
as Unidades de Conservação, não fez mais nenhuma. A PEC 215 (Proposta de Emenda à
Constituição que transfere a competência da União na demarcação das terras
indígenas para o Congresso), por exemplo, nasceu dentro do governo. É um baita
desgaste. Belo Monte, do jeito que foi encaminhado, é uma bola dividida.
Mas era bom
antes? Restrição orçamentária tem em todo lugar.
Sim, mas nunca
chegou no nível que tem hoje. E nunca teve tanta demanda como tem hoje. Desde a
criação o ministério vinha crescendo, vinha incorporando áreas, passa a cuidar
de parques, cresce, faz o Instituto Chico Mendes. O que
a Dilma fez foi o inverso. Ela acabou desmontando. Antes traziam
recursos, fizeram o controle de satélite que não tinha.
A Dilma realmente desmontou. O setor que mais teve contingenciamento
foi esse.
E a ministra
(Izabella Teixeira)?
É uma técnica.
Muito competente como técnica, mas não tem influência política.
O Zequinha [Sarney, ex-ministro] sabia negociar. Mesmo o
[ex-ministro] José Carlos Carvalho tinha algum suporte.
A Marina fazia uma baita representação. Ela peitava, ia para cima,
tanto que peitou a própria Dilma. O que vimos é que essa ministra
[Izabella] ajudou a fechar a porta, foi botando panos quentes.
Vocês
estiveram recentemente com o Aécio, né? Como foi a conversa?
Estivemos. Vamos
marcar com o [Eduardo] Campos e também com esse governo. A conversa
foi muito boa. Falamos de todas essas dificuldades e outras coisas. O ativo que
o PSDB tem é grande. A legislação ambiental brasileira foi quase toda
feita pelo [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso, uns 90% foram feitos
naquele governo. Dissemos. "Vocês vão rasgar tudo isso por causa desse
momento?"
Como ele
reagiu?
Reagiu com
preocupação. E aí depois nós metralhamos. O governo de Minas Gerais é o campeão
da devastação no caso da Mata Atlântica. E por quatro anos seguidos.
O que ocorre
por lá?
Carvão, a pior
coisa do mundo. E o que é pior: com famílias trabalhando nos fornos.
No Jequitinhonha [norte do Estado], que é um dos lugares mais pobres,
para uso na siderurgia. Eles usam a mata, transformam em carvão e colocam a
família trabalhando sem nenhum registro. É a coisa mais medieval que tem. O
cara fala que vai fazer um programa ambiental e vem de um Estado que está
liderando na devastação? Aí ele ficou preocupado, disse que iria ver o que
estava acontecendo. E não é só lá. O Pará também é do PSDB. Também é
problemático, com desmatamento.
E no
Congresso, como está o meio ambiente hoje?
Em geral, dá para
dizer que o meio ambiente vem tendo cada vez mais adeptos. Esse ano que passou
talvez não tanto na questão da biodiversidade, mas na questão dos animais. Pet,
essas coisas. Se você pegar nas redes sociais, é um fenômeno. Tem mais pet shop
no Brasil hoje do que farmácia. Então tem mais gente ligada à questão de
animais. O pessoal do pet em Brasília foi o que mais cresceu. É uma
coisa impressionante.
A bancada do
cão? (risos)
(risos). É a
bancada do pet, acho. No nosso café da manhã semanal da frente ambientalista é
a turma que mais tem atividade. É o que mais tem atraído gente.
Como é essa frente
ambientalista? Um levantamento recente do jornal "O Estado de S.
Paulo" mostrou que muitos deputados aparecem na frente, mas também são da
bancada ruralista.
São quase 300
pessoas que já assinaram na frente ambientalista. E não é uma frente ideológica.
É uma frente de formação. Então se o parlamentar não está comigo hoje na
questão do Código Florestal, ele está na discussão sobre resíduos sólidos.
Se o outro não está num tema tal, pode estar na discussão sobre pagamento de
serviços ambientais. A questão é saber com quem você pode contar em cada
questão. Então temos os grupos de trabalho: o das águas, o dos serviços
ambientais, o dos animais, que é hoje o mais animado. E tem muitos no
do Código Florestal também, agora acompanhando a implementação.
Os ambientalistas
fizeram campanha contra a mudança do Código Florestal e perderam. Se era ruim,
por que agora querem a implementação rápida?
Mas tinha coisa boa
nele. Nós queremos o CAR (Cadastro Ambiental Rural). Isso vai mostrar quem
é quem. Foi a coisa que a CNA foi mais contra. Olha, acho que só teve
um momento em que a concentração de terra foi mais desigual que hoje, só na
época da capitania hereditária. O maior problema ambiental brasileiro é
fundiário. Começa aqui mesmo, em São Paulo, na [represa de] Guarapiranga,
em Santo André, na [represa] Billings. Se você pegar aqui, na zona
sul [de São Paulo], eu te garanto: 80% das pessoas que moram lá não tem nem
documento em cartório, o título. Uma insanidade. O Brasil é completamente
irregular. E 90% dessas ocupações foram feitas por políticos. Você sabe, os
políticos que fizeram a ocupação em Santo Amaro [bairro da zona sul]
são os que mandam aqui em São Paulo hoje, junto com o [prefeito
Fernando] Haddad. O maior problema é o fundiário. Então vamos fazer cumprir
oCódigo naquilo que os ruralistas têm maior pavor, que é o controle.
Mas o que se
sabe hoje?
Nada.
Como nada?
Você sabe quem são os grandes. Você mesmo citou o Blairo Maggi, por exemplo.
Ah, você tem dois
ou três. Mas não se sabe os grupos que estão atrás, não sabemos o quem é quem
nessas propriedades. E tem um monte de laranja nisso. Então se você tiver
o CAR de todas as propriedades, vai saber quem está aonde, como é que
está a reserva legal, os limites exatos da propriedade, tudo georreferenciado.
Aí você vai saber o tamanho desse Brasil. Como era antes? Tinha a lei que dizia
que tinha que tinha que ter reserva legal, mas você não sabia onde nem
como. Tinha a lei que dizia que tinha que ter APP, mas não se sabia onde
nem como. Agora vamos saber. Quantos proprietários foram beneficiados com a
anistia ampla, geral e irrestrita [para desmatamentos feitos antes de 2008] que
colocaram no Código? Vamos saber. Quem são eles? Vamos saber. E esses
desmatamentos anistiados estão aonde? Vamos saber. Então são elementos para
você conhecer e depois entrar na Justiça.
Meio
ambiente dá voto?
Nunca deu.
Não é um
paradoxo? O tema nunca esteve tão na moda. O apelo está por toda parte, virou
marketing das grandes corporações, mesmo as que poluem, está nos discursos de
todos os partidos, na mídia, nas escolas...
É, mas ainda não dá
voto. O que dá voto? Vai para o cara que faz asfalto, o que dá cesta básica. É
o de sempre. A população ainda não tem essa visão sobre meio ambiente. São
temas universais. É como a reciclagem: todo mundo é a favor, mas só 2% fazem.
Ou saneamento. Todos sabem que cano enterrado não dá voto. Hoje o cara diz
"eu fiz um posto de saúde, fiz o hospital regional". Aí você pergunta
quantos dos internados nesse novo hospital são por doenças de origem hídrica.
Dá 70%. Agora, se fizer um metro de cano, tira sete internações. Mas aí ninguém
vê. E é tudo muito recente. Muitos desses ruralistas têm razão quando falam.
Eles dizem: "30 anos atrás foi o governo que mandou derrubar [a mata],
mandou colonizar". Na cidade também é recente. Trinta anos atrás você não
tinha uma lei de uso de solo como tem hoje. Agora tem de ter recuo de frente,
de lado, calçada, tudo. Não existia antes. Essas coisas serão cada vez mais
exigidas, pois estamos vendo que a cidade fica inviável. Então é muito pouco
tempo. Qual é a história do Brasil? Depreda, depreda, depreda. A natureza era
uma coisa a ser conquistada, a ser incorporada, nunca teve custo. Esgotou a
terra? Abre outra, vai abrindo.
No meio
político todo mundo se surpreendeu com a filiação da Marina Silva no PSB após o
fracasso da criação da Rede a tempo de disputar em 2014. Entre os
ambientalistas também houve surpresa?
Também. Eu não
esperava. Eu esperava que ela seguisse firme com a história da Rede e
não se entusiasmasse com essa eleição de 2014, que é uma bola dividida. Agora,
o que acho que deixou a Marina contrariada é que ocorreu uma baita
sacanagem, né? Eles já tinham conseguido as assinaturas [para criar o partido].
Você acha que o Partido Ecológico Nacional conseguiu as assinaturas?
O Paulinho [da Força, para criação do Solidariedade]? Então acho que
foi uma resposta dela a esse tipo de agressão. No meio, tem gente que gostou
[da filiação ao PSB] porque acha que tem de ocupar espaço político. Outros não,
como eu. E eu não acho que tem de ter um partido só de meio ambiente. Muito
melhor é ter o assunto permeado em todos, PMDB, PSDB, PV, PSOL. O PT tinha um
grupo muito bom, mas esvaziou. Mas eu não sei se ela terá tanto ganho quanto
teve quando concorreu sozinha.
Quem é
melhor parlamentar para tratar de meio ambiente em Brasília hoje?
O Zequinha (Sarney
Filho, PV). É o cara mais nota dez com quem eu já trabalhei. E vai se ferrar
por causa disso, viu? Porque a base eleitoral dele no Maranhão é onde
está o agronegócio hoje. E os caras estão jogando pesado contra ele lá. Pesado
mesmo, detonando. Ele vai ter muito problema para se reeleger.
O Zequinha... Fiz todas as campanhas contra o pai dele... E é uma coisa
impressionante, ele é o meu melhor parceiro lá em Brasília. Desde ministro.
Antes até. É o cara mais coerente de Brasília. Eu o conheci antes da
Constituição. Na Constituição ele nos apoiou, participou daquele primeiro grupo
pequeno, que diziam cabia numa Kombi (risos). E foi aquele grupo que escreveu o
capítulo do meio ambiente na Constituição. O cara teve uma vida pautada nesse
tema. É por isso que foi ministro, já tinha história.
E no Senado?
Tem gente boa. Você
tem o senador de Brasília, o [Rodrigo] Rollemberg (PSB-DF), ele é
muito bom. E tinha lá o [Jorge] Viana (PT-AC), né? Mas foi uma das
maiores traições que a gente teve, um terror. [Viana foi um dos relatores
das mudanças do Código Florestal e, na avaliação dos ambientalistas, atuou em
desacordo com os interesses do meio ambiente]
Já acertaram
as contas com ele?
Ah, não. Vai ser
difícil. Foi terror. Eu mesmo nunca mais falei com ele. E olha que eu converso
com todo mundo. Ele traiu. Traiu a Marina até.
E a senadora
Kátia Abreu (PMDB-TO, presidente da CNA), que aparece como porta-voz dos
fazendeiros?
Ela é a amiga da
presidente, né? Aparecem de mãos dadas. A Kátia é aquela coisa... É o
problema pessoal dela. É tudo complicado. Essa mulher tem interesse particular,
não é nem interesse corporativo. Eu acho que a bola lá está dividida por lá.
Acho que o Roberto Rodrigues, por exemplo, tem uma visão totalmente
diferente da dessa mulher. É possível conversar com o Roberto. Com ela,
nem pensar, é impossível. E ela tem bala, tem 20 e tantos assessores
parlamentares, os melhores jornalistas estão com ela agora, cada dia produzem
uma nota. E ela está bem. Bancou o Brasil no Fórum Mundial de Água. Ela
tentou colocar aquela tese de que se o Brasil tem APP então todos os
países tinham que ter. Nós fomos lá e demos o "Troféu Copo Vazio"
para ela (risos). Aí eles ficaram bravos, "quem banca esse estande somos
nós". É desse jeito, é ridículo. Então ela está fazendo confronto, não faz
diálogo. Todos os posicionamentos dela são agredindo. Muito do que foi
o Aldo Rebelo no fim. Aquela conversa "as ONG
internacionais", "os que querem impedir o Brasil". Ora, eu não
sou ONG internacional.
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Nova corrida pelo ouro: Entrevista especial com Telma Monteiro
Telma Monteiro é
especialista em análise de processos de licenciamento ambiental
“A
estrutura a ser criada no novo Marco Legal da mineração é exatamente similar ao
da energia elétrica, só mudam as siglas”, constata
a educadora ambiental.
“O mesmo
Estado que criou áreas de proteção para preservar os biomas demarcou terras
indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código Florestal, e agora está
criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da mineração que
vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando seus
recursos minerais”. A declaração é de Telma Monteiro, ao
criticar a proposta de um novo Código da Mineração. Para ela, a elaboração
de um novo código para o setor causa a impressão de que “o Estado, que não tem
(ainda) o poder de anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por
criar novas leis que, na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus
projetos de poder”.
Na entrevista
a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line,
Telma diz que a maior parte dos projetos de mineração está na Amazônia
Legal, em unidades de conservação e em terras indígenas. Segundo ela, o atual
Marco Legal da área impossibilita validar a mineração em determinadas áreas.
Por isso, “foi preciso, então, aproveitando a tramitação do PL 1610/96, começar
atrair investidores com uma possível viabilização, em paralelo do novo Marco
Legal da mineração brasileira”. E acrescenta: “É uma operação casada, na
verdade, um tripé que vai permitir que o governo passe a
leiloar, como na energia elétrica, o direito de exploração mineral”.
Confira a
entrevista.
IHU
On-Line – Que fatores
motivam a alteração no Código da Mineração? Em que consiste e como avalia a
proposta de um novo marco regulatório para o setor?
Telma
Monteiro (foto) – Segundo o
governo, burocracia e “fraqueza” do poder concedente foram diagnosticadas como
os principais problemas do setor de mineração. Em meu entender, isso significa
que o Estado se sente inseguro e, como não dizer, pouco soberano com o estado
da arte da mineração brasileira.
Quando se
olha o mapa do Brasil, em especial o da Amazônia Legal, com a sobreposição dos
processos minerários, nota-se que a maior parte desses processos
está localizada em unidades de conservação e em terras indígenas. Ora, com o
atual Marco Legal é praticamente impossível viabilizar a mineração em áreas
especiais e não há investidor disposto a bancar o risco.
Então,
aproveitando a tramitação do Projeto de Lei n. 1610/96, foi preciso começar
atrair investidores com uma possível viabilização, paralelamente ao novo Marco
Legal da mineração brasileira. É uma operação casada, na verdade trata-se de um
tripé que vai permitir que o governo passe a leiloar, como na energia elétrica,
o direito de exploração mineral: Plano Nacional de
Mineração 2030 que foi lançado em 2011, o Marco Legal que
também começou a ser discutido em 2011 e o Projeto de Lei n. 1610/96, que
passou a ter uma visibilidade maior também em 2011.
É muito
importante ressaltar que o Congresso pretende votar o mais rápido possível,
este ano ainda, o Código da Mineração. A estrutura a ser criada no novo Marco
Legal da mineração é exatamente similar ao da energia elétrica, só mudam as
siglas. O Ministério de Minas e Energia vai ter o poder total sobre a
exploração dos recursos minerários no Brasil. É uma concentração de poder num
único ministério, sem precedentes na história.
IHU
On-Line – Como você
avalia o Projeto de Lei n. 1610, que regulamenta a exploração de minérios em
terra indígena?
Telma
Monteiro – Uma
comissão especial da Câmara dos Deputados está funcionando para dar um parecer
sobre o PL 1610/96 de autoria do senador Romero Jucá (PMDB/RR). Eu
não acredito no objetivo de fazer uma legislação moderna sobre mineração,
voltada para a realidade brasileira, sem consultar os principais interessados
no assunto: os indígenas.
A
presidente Dilma quer acelerar o processo, pois o Projeto de Lei já foi
aprovado pelo Senado e agora tramita na Câmara dos Deputados. Há um
entendimento do Ministério Público e das lideranças indígenas no sentido de que
a matéria seja vinculada ao Estatuto dos Povos Indígenas que tramita com
dificuldade no Congresso. Porém, a própria comissão especial já sinalizou que
não seria possível.
A
principal preocupação com relação ao PL 1610/96 é quanto ao poder de
veto da comunidade. Embora se fale em oitivas conforme determina a Constituição
Federal, a decisão não seria vinculante. Isso seria o mesmo que aprovar a
exploração mineral e terra indígena antecipadamente. A oitiva funcionaria como
uma praxe para apenas
legitimar.
IHU
On-Line – Quais as implicações da mineração para os índios Yanomami?
Telma
Monteiro – Se for
aprovada no Congresso a lei que prevê a regulamentação da mineração em terras
indígenas, todos os indígenas do Brasil serão afetados, não apenas os Yanomami.
IHU
On-Line – Como os
índios Yanomami se manifestam diante da mineração em suas terras? Há
divergência de opiniões?
Telma
Monteiro – Os Yanomami são
contra a mineração em suas terras, pois acreditam que isso vai lhes trazer
problemas, prejuízos à saúde e dificuldades de relacionamento entre eles. Estão
preocupados com a degradação ambiental que a mineração causa e como isso
afetaria sua sobrevivência. Ainda não há divergências entre eles.
IHU
On-Line – Você
declarou recentemente que 80% da terra dos índios Yanomami estão destinadas às
empresas mineradoras que apenas aguardam a regulamentação para extrair minério
dessas terras. Quais são as empresas envolvidas nesse processo?
Telma
Monteiro – Posso
citar inúmeras empresas envolvidas com processos minerários
no Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, em terra Yanomami.
Algumas delas têm dezenas de processos, mas o interessante é que não são
conhecidas e na internet só consta ocasionalmente um endereço físico. Tenho a
impressão que são apenas empresas formadas com o propósito específico de
assegurar para o futuro a “posse” de um naco do território quando for aprovada
a mineração em terras indígenas.
Imagino
também que esses processos serão repassados a empresas maiores como aconteceu
no caso da mineradora canadense Belo Sun Minig,
no Xingu, que adquiriu parte dos direitos minerários de titulares brasileiros.
Eis os nomes de algumas empresas que têm números expressivos de processos,
todos na Terra Indígena Yanomami: Mineração Amazônia Ltda., BR
Mineração Ltda., Eldorado Norte Empresa de Mineração Ltda., C.R.
Almeida Engenharia e Construções (essa é conhecida); Brasil Lithium
Comércio e Indústria de Minérios Ltda.,Mineração Guararema
Ltda., Mineração Montes Roraima Ltda., Mineração Novo Astro S.A., que
pertence ou pertenceu a Eike Batista.
É
interessante também notar que cada empresa tem interesses em várias
substâncias, tais como: ouro, cobre, nióbio, estanho, chumbo, manganês,
cassiterita, berílio, alumínio, platina, prata, tântalo, lítio, césio,
tungstênio, zinco, tantalita.
Quando se
vê o mapa da terra indígena Yanomami sobreposta com os processos
minerários dá para se ter uma ideia da tragédia que seria caso liberassem a
mineração em terras indígenas. A maior parte do território está
quadriculada.
IHU
On-Line – Quais são
as maiores contradições do Estado brasileiro em relação à mineração e à
exploração dos recursos minerais?
Telma
Monteiro – A maior
contradição é que o mesmo Estado que criou áreas de proteção para preservar os
biomas demarcou terras indígenas, discutiu por anos a fio o novo Código
Florestal, e agora está criando um monstro na forma de um novo Marco Legal da
mineração que vai afetar justamente essas mesmas áreas especiais, explorando
seus recursos minerais.
A
impressão que fica é que, à medida que o Estado, que não tem (ainda) o poder de
anular as leis já existentes ou de extingui-las, opta por criar novas leis que,
na prática, acabam anulando as que se opõem aos seus projetos de poder.
O Estado
tem obrigação de cumprir a lei que, se existe, é graças à aspiração da
sociedade. O Estado não pode contornar o cumprimento da lei para satisfazer
interesses setoriais, criando outra lei.
IHU
On-Line – Nos
últimos dias a imprensa tem divulgado notícias sobre a “corrida do ouro” no
Pará, e da possível atuação da Belo Sun Mining na região. Como avalia a atuação
internacional no território brasileiro? O que essa “corrida pelo ouro”
significa e quais as implicações disso para o Brasil?
Telma
Monteiro – É muito
estranho a gente achar alguns sites de grandes empresas internacionais de
mineração com chamadas para os investimentos em minas de ouro no Brasil.
Empresas como Eldorado Gold, Belo Sun Mining, Brazilian Gold e International
Goldfields estão disputando palmo a palmo concessões na região do rio
Tapajós, no rio Teles Pires e no rio Juruena ondes serão
construídas ao todo mais de 20 hidrelétricas e outro tanto de PCHs.
Na região do Teles Pires-MT, Província
Mineral de Alta Floresta, a australiana International
Goldfields adquiriu, em 2011, 90 % dos direitos minerários de uma área de
3,250 km².
Enfim,
parece que estamos tendo mesmo uma nova “corrida pelo ouro” no Brasil. As
implicações só conheceremos, espero que não, se forem aprovados os projetos do
governo para minerar em terras indígenas e unidades de conservação. Até lá a
sociedade deve ficar atenta.
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